Feijão com arroz contra o neoliberalismo

Chomsky afirmou, há pouco, que o MST é o mais importante movimento popular do mundo. Ele atribui aos movimentos sociais a responsabilidade pela construção de um mundo sem o capitalismo
Especial para o Repórter Brasil
 27/01/2003

Nada de empurrões, pedidos de autógrafos ou culto gratuito. Um dos mais importantes intelectuais do mundo, ácido opositor do neoliberalismo, o lingüista Noam Chomsky almoçou ontem no assentamento “30 de maio” do MST, Charqueadas –RS, com a tranquilidade que seus cabelos brancos e os 74 anos lhe permitem. Arroz, tomates, alface e repolho cultivados na terra em que pisava, foram os alimentos de seu prato, assim como o de aproximadamente 2 mil camponeses que também almoçavam ali. O churrasquinho gaúcho também figurou o cenário.

Ali perto das mesas distribuídas pelo gramado, os camponeses, numa espécie de ritual, trocavam sementes originárias dos cinco continentes para assegurarem sua diversidade. Beterraba, papa, avas, castanhas, fidel, de cor e tamanhos variados formavam um mosaico de vida. Temos que cuidar delas”, diziam as mulheres responsáveis pela preservação das sementes na Via Campesina.

Há alguns metros dali, Chomsky marcava o território. Não com cercas ou com a força de armas e, sim com o plantio de uma árvore, o Cedro, que pode ser rosa, branco ou cetim, mas que só será definido daqui a alguns anos, quando florir. Após regar o broto, sentou-se no toco de uma árvore e analisou os problemas que afligem a todos os povos. Semeou palavras.

À volta do professor, muitos jornalistas e alguns “companheiros” do assentamento – que coordenavam os homens e mulheres de caneta e microfones em punho, na busca do texto final.

A guerra, como manutenção do império, a perversidade do sistema neoliberal, e a responsabilidade do presidente Lula centraram as perguntas, não as respostas. Chomsky revelou o seu entusiasmo com a luta dos povos: ‘‘O Fórum Social Mundial talvez seja o primeiro evento que o sonho da esquerda, e o movimento dos trabalhadores em sua origem possa se realizar de uma forma genuína”. A luta popular pode impedir grandes batalhas e promover inúmeras conquistas. ‘‘Se você está querendo construir uma cooperativa para os trabalhadores ou se pretende parar a guerra só existe uma forma de fazê-lo. Educação, organizações políticas e em alguns casos desobediência civil.‘‘

O sol quente iluminava os campos e as plantações. No trajeto de volta para o palco onde Chomsky falaria ao trabalhadores, se presenciava os resultados que acabara de anunciar.

Homens, mulheres, jovens e velhos, celebravam o encontro dos camponeses de todo o mundo, que pertencem a Via Campesina. À volta, os resultados da cooperativa que sonham ver como a realidade nas terras de todo o país, de todo agricultor, da reforma agrária. Na forma de ciranda, escolas para alfabetização das crianças, campos para produção de grãos e hortaliças que abastecem toda a região de Charqueadas, 46 familias de mãos dadas, resistência e felicidade.

Na simplicidade do camponês deitado na grama, da vivacidade das crianças correndo pelo gramado do parque e ao som de violões e pandeiros, o intelectual rendeu-se aos trabalhadores rurais. ‘‘Estar aqui é um privilégio. Vocês demonstram que um outro mundo é possível.‘‘ Noam Chomsky recordou o que presenciou na Colômbia há alguns meses. Encontrou não o combate ao narcotráfico, defendido ardorosamente pelos EUA, mas sim a destruição de campos e da atividade do agricultor. ‘‘Instalaram-se na região multinacionais para a plantação de sementes transgênicas. Se o MST não existisse, essa seria a relidade brasileira também.”

Um jovem de olhos e ouvidos atentos assistia ao prenúncio daquele homem que traz as marcas do tempo, de quem já ouviu e viu muito e, se emociona: ‘‘Isso siginifca que não estamos sozinhos e renova as esperanças para que consigamos avançar a passos largos. Vilmar Boufleuer está acampado na Bacia do Paraná. Continua a caminhar, a “desobedecer”.

A fala de Noam Chomsky não se estende por muito tempo, já são cinco da tarde. O professor recebe das mãos do camponês uma cesta com os alimentos que produzem e um boné da Via campesina, que imediatamente substituiu o boné de palha que o protegia. ‘‘As mesmas forças populares que eliminaram a escravidão e o feudalismo, vão eliminar o capitalismo, não existe nenhum truque especial, só trabalho pesado”, ensina o professor. O sol quente, continua a iluminar os campos. As árvores continuarão a ser plantadas, a florescer e as sementes vão anunciar a nova vida.

Cláudia Jardim, da Ciranda da Informação

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