Pagar para quê?

O diretor da Rede de Informação para o Terceiro Setor defende o uso de softwares livres e fala do seu processo de aceitação pela sociedade
Por Thiago Guimarães
 25/01/2003

Carlos Afonso, diretor da RITS (Rede de Informação para o Terceiro Setor), diz que inclusão digital no Brasil deve contar com o governo e usar softwares livres, aqueles que podem ser usados, alterados e distribuídos à vontade. Mas ele mesmo ainda usa não conseguiu deixar de lado os programas proprietários. A entrevista foi realizada assim que foi encerrado o Painel “Novas tecnologias e estratégias para inclusão digital e transformação social”, no Cais do Porto.

O senhor disse que, para a inclusão digital, “precisamos do apoio de políticas públicas, não adianta apenas projetinhos de ONGs”. Por quê?

Em alguns países, até pode ser possível fazer tudos com projetos da iniciativa privada tenham alcance. No Brasil, temos quase 7 mil municípios e 231 cidades com mais de 100 mil habitantes, onde se concentra a maioria da população. Um projeto de mercado para fazer a internet se propagar nestas cidades, muita gente ainda vai ficar de fora. É uma escala muito grande para se pensar um projeto de inclusão digital só com a iniciativa privada ou a sociedade civil, sem os recursos necessários. Nós temos o privilégio de ter o FUST [Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações], que gera R$1 bilhão para isso. Com isso e uma política pública adequada, pode-se garantir a infra-estrutura para as comunidades, para que a própria sociedade opere esses centros de acesso público. Mas sem isso não adianta.

Para o senhor, tanto faz o tipo de software ou abraça a causa da utilização dos softwares livres?

Acabei de sofrer uma experiência na carne há poucos minutos com o software proprietário. Sofremos um ataque que não pudemos evitar porque o software é lacrado, selado e não temos uma comunidade de desenvolvedores que possa nos ajudar dizendo “olha, neste ponto há um problema de vulnerabilidade”. Você depende da empresa que produz e da vontade de ela informar vulnerabilidades do software – isso quando informa. Então ficamos a mercê da empresa que nem sempre corresponde.

Para projetos de inclusão digital, em que normalmente as pessoas estão começando a aprender informática, a questão de softwares livres ou proprietários não é secundária?

Pelo contrário, quanto mais esses softwares puderem ser mexidos nos centros públicos de acesso – que não são para teclar enter, escrever um e-mail e aprender a digitar números em uma planilha – se dará mais oportunidade para as pessoas aprenderem algo mais que aquele simples movimento de teclado. Educação é criatividade, é oportunidade de se conhecer algo novo. Com um software lacrado, não se aprende o novo.

Linguagem de programação não é muito complicado para quem não sabe o básico?

Pode ser complicada, mas pode ser a chance de as pessoas se destacarem por suas habilidades e talentos. Hoje, o software livre já permite o uso de todos os recursos do Microsoft Office, que é chamado de “calcanhar de Aquiles do software livre” – sem pagar um tostão para a Microsoft e com código aberto, em várias línguas.

O senhor ignora a cultura de uso que o Brasil adquiriu em software proprietário?

A cultura de uso não é de software proprietário; é de certas ferramentas e certas facilidades. Se tenho um programa que faça a mesma coisa que o proprietário faz, então qual é a diferença?

E o senhor usa software livre?

Uso software livre.

Só software livre?

Não, porque meu trabalho não me permite. Nós servimos várias organizações que usam sites em serviços proprietários. Espero que, no futuro próximo, possamos migrar todos esses sites para software livre.

Acredita na boa vontade do novo governo para tratar de outra forma a inclusão digital?

Com certeza. Inclusive há uma intenção muito clara do novo ministro das Comunicações, Miro Teixeira, para descontingenciar o dinheiro do FUST [cerca de R$ 2 bilhões que seriam investidos em projetos de inclusão digital estão bloqueados, por conta do novo acordo com o Fundo Monetário Internacional], para que possa ser usado o mais rápido possível.

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