“Se encostar em mim, não poderá ir para o céu”

O depoimento de Aloysius Yrudayan, da Campanha Nacional pelos Direitos Humanos dos Dalits (intocáveis), emocionou a platéia e foi o ponto alto do painel “Pela Implementação dos Direitos Humanos”
Por Claudia Carmelo
 25/01/2003

“Eu sou um intocável indiano.” Assim começou o discurso de Aloysius Yrudayan, o mais aplaudido durante o painel, militante da campanha contra o sistema de castas indiano, uma espécie de apartheid que existe a mais de 3000 anos no país.

O sistema determina a existência de quatro castas, cada uma descende de uma parte do corpo de Deus (boca, braços, coxas e pés). A classe dominante é a brahma (vindos da boca), que são os sacerdotes. Os sudras (descendentes dos pés) são a classe mais baixa e devem ser obrigatoriamente agricultores e empregados. Existe ainda uma quinta classe, os “intocáveis”, ou Dalits, que estão excluídos do sistema e devem viver segregados dos demais. São 240 milhões deles na Índia, cerca de 24% de sua população. A condição é hereditária e imutável. A única forma de um Dalit deixar de sê-lo, segundo a tradição hindu, é morrer e reencarnar numa outra casta.

Enquanto isso não acontece, eles são submetidos às mais cruéis humilhações. Quem tocar um “intocável”, ou mesmo passar pela sua sombra, fica sujo e deve fazer um intenso ritual de purificação. “Nós não temos status de humanos, apenas 15% de nós é alfabetizado e somos explorados como arrendatários de terras por não termos direito ao patrimônio”, relatou Aloysius.

Desde 1950, o sistema de castas é proibido na Índia, mas na prática ele ainda existe. A discriminação é mais intensa nas áreas rurais, onde os Dalits vivem em guetos e são proibidos de circular por diversos lugares das vilas. Seus trabalhos muitas vezes consistem em carregar carcaças de animais ou dejetos humanos.

Em 2001, Aloysius foi para Durban, na África do Sul, lutar pelos Dalits na Conferência da ONU contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância Correlata. Mas a delegação indiana se recusou a discutir o tema das castas no evento, alegando que era uma questão interna que não se tratava de racismo.

Em suas últimas palavras, o Dalit arrancou emoção e muitos aplausos da platéia. “O que eu mais quero em termos de direitos humanos é ter o direito de tocar e de ser tocado. Pelo menos isso. Um outro mundo é possível, mas só quando o sistema de castas for realmente abolido.”

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