Os homens-tatu do sertão

Em Equador (RN), trabalhadores garimpam caulim, arriscando-se embaixo da terra, para fugir da seca e conseguir, no final do mês, entre R$ 200,00 e R$ 250,00(Matéria ganhadora do prêmio Vladimir Herzog 2003)
Por Leonardo Sakamoto
 01/03/2003
Vandeval Sabino de Sousa se prepara para descer até mina de caulim

“Muitas pessoas que trabalham nesse serviço sabem que vêm, mas não sabem se voltam para casa.” Expedito reclama do trabalho de maneira resignada enquanto se prepara para descer de novo às galerias em que ele e seus dois irmãos exploram caulim. O sol forte do sertão potiguar no início da tarde reflete-se no chão polvilhado com esse minério branco, “ofendendo a vista”, como eles dizem. O mais velho, Vanderval, 31 anos, é o primeiro. Um galho de árvore, que serve de cadeirinha, é amarrado a uma corda presa a um carretel de madeira suspenso sobre um buraco. O mais novo, Carlos, vai soltando a corda do carretel e descendo o irmão como se levasse um balde ao fundo de um poço. Mas nesse caso, lá embaixo não há água – que, aliás, deu o ar de sua graça apenas no início do ano na forma de chuva e desapareceu, fazendo minguar as plantações de milho.

Após 15 metros de um precário rapel sem equipamentos de segurança, chega-se a uma rede de túneis escavados pelos três nos últimos dois anos. Não há vigas de sustentação ou nenhum escoramento. A iluminação é feita por velas – uma, duas ou três na mesma mão, dependendo do negrume do caminho. Na outra, picareta e pá. Por dia, puxam uma “carrada” de caulim bruto, cerca de 10 toneladas de minério, para ser vendido para atravessadores e empresas que beneficiam o produto. Quando conseguem um comprador, essa montanha é negociada por apenas R$ 55,00. No final do mês, dá para tirar entre R$ 200,00 e R$ 250,00 cada um. Por fim, além das quedas nas descidas, há os freqüentes desabamentos de túneis que fazem viúvas e órfãos. E como ninguém tem registro em carteira profissional que garanta uma mínima pensão do INSS, a família tem que se virar para sobreviver e muitos filhos continuam o serviço de onde o pai havia parado.

A extração artesanal de caulim, mineral quimicamente inerte, com diversas aplicações na indústria (ver box), tem sido o sustento de 300 famílias no município de Equador, Rio Grande do Norte. O trabalho insalubre é a única alternativa, uma vez que faltam empregos na cidade, terra para plantar, financiamento para iniciar um cultivo.

E chuva. A seca dava sinais de que ia abrandar esse ano. Mas, passou março, chegou o dia de São José, quando cai a água para fazer o milho crescer, e nada. O sertanejo, mais uma vez, vai ter um dia de São João mirrado e sem comemoração por conta disso.

A história seria igual a tantas outras que a seca cria no sertão se não fosse pelo fato de que esse quebra-galho se transformou em principal meio de sobrevivência de uma cidade. Os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, que visitam a região, não podem chegar ao local e fechar as minas de caulim. Isso apenas criaria um outro problema social tão complicado quanto o primeiro, deixando uma massa de homens sem ter o que fazer.

"Banqueta" de extração de caulim. Em primeiro plano, o produto da extração

Meio do mundo

O município de Equador, localizado na divisa com o estado da Paraíba, possuía pouco mais de 5600 habitantes no ano 2000, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Longe da latitude zero, a origem de seu nome tem outras explicações – uma diz que a cidade está localizada no meio da Chapada da Borborema, outra que o local é um centro dispersor de águas, que correm para ambas as direções da serra. Independentemente de qual for a correta, a cidade está no meio de algo: uma grande jazida de caulim.

“O trabalho da gente aqui é o mais pesado de todo o Seridó”, avisa Expedito, da família Sabino de Sousa. Essa região do sertão potiguar a que ele se refere, se é pobre em chuva, é rica em minérios. Além do caulim, há também feldspato, mica, manganês, tantalita, calcário e granito, entre outros. Cidades próximas, como Currais Novos, enriqueceram com a exploração de tungstênio. Hoje, muitas estão em decadência devido à concorrência com o mercado internacional.

A disputa entre as “banquetas” de caulim também é grande. Banqueta é o nome que se dá ao lugar onde um buraco é cavado e instala-se os equipamentos para a extração. Do lado de cada uma, um pequeno abrigo feito de madeira que guarda os pertences dos trabalhadores. Seguindo por estradinhas de terra cobertas por pó branco, é possível avistar várias banquetas espalhadas pelos morros. Cada buraco guarda uma equipe. Em média são três. Dois escavam e enchem os baldes no subsolo e um terceiro puxa o material e fica responsável por preparar o almoço. Os três irmãos chegam todos os dias às 5h, ainda escuro, e ficam até às 15h.

“Se eles [compradores] puxarem, a gente tem dinheiro para a farinha. Se não puxar, não tem não”, explica Vanderval. “Já teve três meses de não virem buscar nada.” Os trabalhadores acabam pagando uma espécie de “caixinha” aos motoristas das carretas que levam o produto até a empresa de beneficiamento. Caso não dêem nada, seu minério é preterido em relação ao das outras banquetas.

Porém, a concorrência é deixada de lado quando acontece algum problema em um dos locais de extração. Por exemplo, quando uma das galerias escavadas não suporta o peso e acaba ruindo, soterrando quem está na extremidade da corda.

“Mainha, arriou uma barreira em cima do Neno.”

Luzia Alzira dos Santos trabalhava fazendo a faxina na escola ao lado de sua casa quando recebeu a notícia de que seu filho havia sido atingido por um desmoronamento. Admílson, 22 anos, explorava caulim nos arredores de Equador. Durante o serviço, um dos túneis abertos por ele despencou sobre sua cabeça e as das outras pessoas que trabalhavam junto. Vieram pedir os documentos de Neno a Luzia.

– Por que? Vão levar ele para um hospital em Campina Grande?

– Não. Seu filho já está com Deus.

Admílson foi o único que faleceu, decapitado. Só deixaram a mãe vê-lo bem depois, na hora do velório. “No hospital, arrumaram ele.” Luzia tem 45 anos, mas aparenta bem mais, por conta das coisas que a vida trouxe. Conta, com uma tranqüilidade triste que, além do filho, o caulim lhe roubou o irmão. José também trabalhava nas banquetas e vivia com falta de ar. Um dia, quando o problema tornou-se cr
ônico, foi levado a um hospital de Natal e morreu por lá.. Isso faz quase 30 anos, o que mostra como o problema é antigo.

José morreu de silicose, uma doença que atinge quem está exposto constantemente a partículas sólidas muito pequenas. Vanderval conta que quando vão encher um caminhão, chegam a ficar com “um dedo de poeira nas costas” de tanto pó levantado. Poeiras entre 0,5 e 7 micra de tamanho (um micron equivale à milésima parte de um milímetro) podem permanecer nos alvéolos e bronquíolos do pulmão quando inaladas. De acordo com Elizabeth Nascimento, professora de toxicologia do Instituto de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, o constante atrito na membrana pulmonar faz com que o organismo reaja, criando uma lesão. A regeneração desse local leva à formação de um tecido mais fibroso e menos elástico, diferenciado do tecido normal pulmonar. “Uma silicose não acontece de uma hora para outra. Pequenas cicatrizes vão se acumulando ao longo do tempo. O indivíduo precisa estar exposto a um longo período ao óxido de silício presente no caulim.” Com o passar dos anos, até décadas, o pulmão vai perdendo elasticidade e diminuindo a capacidade pulmonar. Até uma hora em que o sistema entre em colapso. A utilização constante de máscaras simples e baratas poderia evitar a inalação do material e uma futura fibrose pulmonar.

Leni Batista de Moraes que perdeu o filho de15 anos após o desabamento de uma mina de caulim

Neno tinha 15 anos quando começou a explorar caulim. Jaílson a mesma idade quando morreu. Estava há apenas cinco meses trabalhando nos túneis para ajudar a família. “Ele tinha enchido o tambor, colocado para um outro menino puxar e, quando voltou para pegar mais, a barreira arriou por cima dele”, lembra a mãe Leni Batista de Moraes, 39 anos. O pai, que estava em outro local, avisado do que havia acontecido, correu para desenterrar Jaílson, mas já era tarde.

Equador está inscrito no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal, que garante uma renda para cada filho que esteja na escola ao invés de trabalhar. O problema é que, como contempla crianças de até 14 anos, muitos de 15 acabam retornando ao serviço para ajudar no orçamento da casa. Leni tem mais quatro, dois deles no Peti – que deveriam receber mensalmente R$ 25,00 cada, se o repasse não estivesse atrasado há quatro meses. O marido ainda tira caulim. “Não tem emprego para os homens que não têm estudo”, reclama Leni. Ele voltou para as banquetas apenas dois meses após a morte do filho em 2001. “É obrigação, para não deixar os outros passando fome. Se chovesse, daria para trabalhar no roçado. Como não chove, tem que ir para o garimpo.”

Um poço de 15 metros não está entre os mais profundos. Há alguns pontos de exploração em que se rasga 70 metros de chão até o caulim. Nesses locais, de acordo com os trabalhadores, a vela tem dupla função: alumiar o caminho e verificar a quantidade de oxigênio. Quando o fogo "rareia", é hora de voltar, como lembra Expedito.

Trabalhadores peneiram os resíduos do beneficiamento do caulim para extrair o "siri"

Para fugir do riscos das banquetas, muitos têm se dedicado à exploração do “siri”. Severino Justino de Oliveira e José Barbosa de Sousa passam o dia dentro de uma empresa beneficiadora peneirando o material que resta da depuração do caulim até obter o siri, que misturado com cal, é componente da argamassa. Ele é composto basicamente de silício. Segundo eles, dá para tirar R$ 360,00 por mês com o serviço, que é interrompido no inverno (época das chuvas no sertão), pois o material fica encharcado de água e não passa pela peneira. Nas banquetas, a quantidade de trabalho diminui nessa época, mas não pára totalmente, porque há muita gente sem terra para plantar. A chuva, quando aparece, redobra o perigo, pois aumenta o número de desmoronamentos de túneis.

A segurança embaixo da terra é inexistente. Alguns ainda deixam colunas de pedra ou do próprio caulim para servir de escoramento ao realizar as escavações. Esse método impressiona pelo fato de nenhum deles ter formação técnica – apenas copiam o que vêem os outros fazendo e passam para a frente. “Quantos morreram na região por causa do caulim? Sei lá, morreu gente que nem uma peste. E quem morreu, lascou-se. Porque não tem seguro nenhum”, lembra Vanderval.

Clandestinos

Entre os próprios garimpeiros, clandestinos, são as pessoas que não têm carteira de trabalho assinada – ou seja, todos eles. A terra que exploram não é deles. O proprietário, Epifânio Marcelino, tem um acerto com a beneficiadora de caulim. A cada carrada (equivalente à capacidade de carga de uma carreta) comprada pela beneficiadora, ele recebe cerca de 10%. Todo o trabalho é feito de forma autônoma, sem registro ou vínculo empregatício. Também não há no município nenhuma organização ou associação que defenda seus interesses ou lhes dêem suporte jurídico. “Aqui não tem sindicato de garimpeiros. Se muitos morrem, fica por isso mesmo e a família sem previdência", afirma Edy Henriques de Oliveira, secretária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Equador. O sindicato possui cerca de 500 filiados. “A pessoa pode até ser filiada ao sindicato. Mas se aparece com um atestado médico de que foi queda de banqueta, não tem o auxílio aprovado.”

Ela própria tem dois filhos tirando o sustento do caulim e convive com os riscos. “Um deles estava descendo, a corda estourou e teve um fratura exposta na perna. E no ano passado, caiu uma barreira em cima da mesma perna que já tinha quebrado.” Os hospitais de Campina Grande, na Paraíba, distante cerca de 100 quilômetros, estão acostumados a receber trabalhadores acidentados dessa forma. Inácio, seu filho, é pai de cinco. Sempre retorna, porque não há outro trabalho. “Os garimpeiros deveriam se organizar e tocar o barco para frente. Senão, como eles vão conseguir os seus direitos?”

Esses direitos começam a ser desrespeitados no valor pago pelo serviço. Segundo Vanderval, uma carrada, cerca de 10 toneladas, lhes rende R$ 55,00. No entanto, Djalma Patrício de Andrade, dono da Caulim Caiçara, uma das três beneficiadoras de Equador, afirma que compra dos garimpeiros por R$ 10,00 a tonelada bruta. Descontando os 10% do proprietário d
a terra, essa quantidade garantiria a eles R$ 90,00. Parece pouco, mas se essa “diferença” entre o que Djalma diz e o que os garimpeiros recebem deixasse de existir, seria um aumento imediato de 64%, o que refletiria imediatamente na qualidade de vida de suas famílias. Considerando que os trabalhadores dizem receber da própria Caiçara a cada 15 dias, não se sabe onde está sumindo esse dinheiro.

A Caulim Caiçara, segundo seu proprietário, vende a tonelada do produto beneficiado por uma faixa de preço que vai de R$ 100,00 a R$ 200,00, dependendo do tamanho da malha utilizada. A malha é uma espécie de peneira, quanto maior o seu número (100, 200 e 325, por exemplo), menor a sua trama e, conseqüentemente, mais fino é o grão. Nessa beneficiadora, utiliza-se malhas 100 (caulim destinado a cerâmicas ou para a fabricação de ração de galinha), 200 e 325 (usado na borracha microporosa, como a encontrada no solado de chinelos). Como os fabricados pela Alpargatas – cliente de Djalma. De acordo com informações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a média de preço para venda no mercado externo é de US$ 109,34, a tonelada.

De acordo com Celso Roberto Dantas, fiscal da Delegacia Regional do Trabalho, não é possível processar juridicamente os atravessadores, pois não há vínculo empregatício, relação de subordinação, salário e horário de trabalho estabelecidos.

Ou seja, a vida dos garimpeiros de Equador segue a lógica do comércio mundial entre países ricos e pobres. O valor que os fornecedores de matéria-prima recebem – normalmente países da periferia do capitalismo – representa apenas uma pequena fatia do preço final do produto. Os maiores ganhos ficam com os países do centro, que possuem tecnologia para transformar e agregar valor. Cria-se, dessa forma, uma balança comercial desigual em que vendedores de matéria-prima, que também são compradores de produtos industrializados, acabam devedores e dependentes. O mesmo acontece com os garimpeiros que, não raro, arrastam contas em mercearias e mercadinhos, pois o seu trabalho, apesar de pesado, insalubre e perigoso, não possui suficiente “valor agregado” para sua sobrevivência.

Descida vista pelas galerias, iluminadas por velas

Enquanto o mundo não chega a um acordo para um comércio justo, uma melhoria nas condições de vida das famílias do caulim pode acontecer se forem criadas formas de se eliminar o atravessador, vendendo o produto já beneficiado direto para a indústria. A saída mais discutida é a criação de uma cooperativa, garantindo a eles respaldo jurídico e a organização.

União

O primeiro problema a ser vencido é a desconfiança. Quem, tantas vezes, já foi passado para trás estranha a possibilidade de se juntar a uma entidade em que todos trabalham para o bem comum. Já houve uma tentativa de mobilização, mas as reuniões foram minguando e, no final, apenas uma pessoa apareceu. “Mas, agora, eles estão menos desconfiados porque a coisa está apertando cada vez mais e vêem que estão sendo passado para trás”, afirma Sebastião Derik, secretário de Administração e Finanças de Equador.

Ele conta que o caulim é usado para fins políticos no município e acusa o proprietário da Caiçara. “Ele disse que quem não votasse no candidato dele nas últimas eleições, não teria mais caulim comprado.” Segundo trabalhadores, Djalma influenciou no fracasso da primeira tentativa de organização porque vê nela uma ameaça a seus negócios. Ele nega. “Esse pessoal não tem um seguro, sindicato, INSS. É muito ruim porque, quando morre um deles, a família fica desamparada. A gente está batalhando para montar uma cooperativa, uma associação de trabalhadores. Meu sonho era fazer a cooperativa funcionar para dar garantias e direitos a esse povo.” Os fiscais da DRT negam a participação do empresário nas discussões para a formação da cooperativa.

Trabalhadores em galerias de exploração de caulim. Esse local de exploração.

Vereador local eleito pelo PDT, ele é adversário político da administração municipal encabeçada por Vanildo Bezerra (PPB). “Se tiver possibilidades e o povo achar que eu mereço, eu serei candidato a prefeito.” Em verdade, o que tem sido feito de concreto não parte dele, mas dos fiscais em conjunto com a Cooperativa dos Mineradores Potiguares (Unimina) e a prefeitura local. De acordo com José Almir Ferreira da Costa, da equipe DRT, o grupo está ajudando na intermediação do processo e será responsável por regularizar as normas de segurança e saúde, com acompanhamento técnico de profissionais especializados.

A Unimina, com sede na cidade de Currais Novos, e que reúne cerca de 22 cooperados, quer se expandir por toda a região, formando núcleos nas cidades. O município vizinho de Equador, Parelhas, está se organizando para implantar um núcleo em breve para a exploração de feldspato. “O atravessador não quer de jeito nenhum que o pessoal se organize”, afirma Raimuindo Bezerra de Magalhães, conhecido como Machado, ex-presidente e um dos fundadores da Unimina. Criando um núcleo da cooperativa que reúna os garimpeiros, o beneficiador ou se alia à cooperativa ou se torna um concorrente. Das três beneficiadoras de Equador, uma pertence à Djalma e a outra ao seu genro. De acordo com Machado, seriam necessárias três coisas para colocar a cooperativa em funcionamento – capacitação, financiamento e contatos com empresas.

Capacitar os trabalhadores, uma vez que as técnicas rudimentares de extração seriam substituídas por máquinas modernos. Isso aumentaria a produção e evitaria riscos à saúde, como a silicose e acidentes com queda de barreiras. O Sebrae do Rio Grande do Norte seria um dos parceiros nessa etapa. Foi solicitado pela Unimina ao Ministério de Ciência e Tecnologia uma parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e com o Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-RN) para criar uma espécie de laboratório de qualificação de minerais industriais para a cooperativa, principalmente o feldspato, a mica e o quartzo. Os garimpeiros não fariam apenas a exploração do caulim, mas de todos os minérios que são encontrados na região.

Um núcleo de produção mineral custa caro para os padrões locais, cerca de R$ 158 mil, se tomarmos como referência o feldspato. Além
disso, são necessários mais R$ 359 mil para instalar uma central de beneficiamento. Machado não possui um cálculo preciso para o caulim, mas diz que os valores são menores. De qualqur modo, fica claro que um financiamento é necessário. Aqui entra o Farol do Desenvolvimento, do Banco do Nordeste, com a linha de crédito e juros menores.

Por fim, seria criado um mercado especial para essa cooperativa. “Não é apenas comprar um produto”, lembra Derik. “Porque ele vem com uma carga social muito grande, de sustentação de famílias ligadas ao garimpo.” Empresas de cerâmica, que são grandes consumidoras de caulim, estão sendo instaladas na região de Mossoró, oeste do estado. “Uma das lutas é que se fechem acordos com essas empresas, via o próprio governo estadual ou o Banco do Nordeste para que a cooperativa se torne a principal fornecedora”, afirma Machado. Ele acredita que garantindo ao trabalhador que o negócio terá boas perspectivas de mercado será possível trazê-los para a cooperativa. “A meta é formar um núcleo em Equador até o final do ano.”

Depois dos 15 metros iniciais, desce até 30 m de profundidade ao longo das galerias.

A participação do Departamento Nacional de Produção Mineral também é fundamental, haja visto que há concessões de lavras vencidas que devem ser legalizadas para possibilitar o acesso pleno dos trabalhadores. Órgãos de defesa do meio ambiente, como o Ibama, são fundamentais na elaboração de um projeto. Escavar o subsolo ou alterar a superfície sem estudos mais aprofundados pode levar à degradação de um ecossistema ou à contaminação de lençóis freáticos. Os casos de problemas nos rins – há um número de relatos acima do normal – podem ser causados por contaminação da água. Edy, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, conta que se você deixar água em um pote, no dia seguinte, após a evaporação, fica um pó preto no fundo.

Coluna de caulim deixada durante a escavação pelos próprios trabalhadores.

Falar sobre uma solução é fácil, difícil é pôr em prática, considerando, principalmente, os entraves para se conseguir um financiamento no Brasil para um projeto social. As agências governamentais, que deveriam fomentar essas iniciativas, possuem amarras burocráticas que dificultam o acesso ao dinheiro pela população mais necessitada. A prefeitura ou outra instituição de âmbito federal teriam que entrar como avalistas desse empréstimo. Ao mesmo tempo, órgãos como o Ministério do Trabalho e Emprego têm que continuar com o serviço de acompanhamento, de forma a garantir que os garimpeiros não sejam constrangidos durante o processo. Atravessadores podem explorar economicamente, mas não há diretamente uso de violência ou tolhimento de liberdade. Portanto, tudo depende que eles deixem a desconfiança de lado e resolvam se unir em torno da busca por uma saída conjunta para não continuar polvilhados pelos morros, cobertos de pó branco, cada um em sua banqueta. Rezando, para que o céu não caia sobre suas cabeças.

Sertão potiguar, março de 2003

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