Libertados 200 em fazenda de empresário de ônibus

Cerca de 200 trabalhadores que estavam na fazenda Tabuleiro, no sertão baiano, próximo a divisa com Goiás, foram resgatados nesta semana por um grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego
Por Leonardo Sakamoto
 29/08/2003

Segundo Marcelo Campos, assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), a propriedade pertence a Constantino de Oliveira, cuja família controla um dos maiores grupos de transporte urbano do país. Uma de suas empresas mais conhecidas é a Viação Planeta. Seu filho, Constantino de Oliveira Júnior, é presidente da Gol Linhas Aéreas.

Repórter Brasil procurou o empresário por telefone, mas obteve apenas uma nota oficial de sua assessoria de imprensa. “Os donos da fazenda Tabuleiro informam que todos os funcionários da empresa têm situação regular, com carteira assinada, benefícios trabalhistas e salários pagos em dia. Esclarecem ainda que souberam do atraso de pagamento de uma empresa terceirizada a funcionários que realizavam um trabalho temporário na fazenda Tabuleiro. Diante desta constatação assumiram a responsabilidade dos pagamentos atrasados, que serão realizados até a próxima segunda-feira, 01/09”, diz a nota.

A justificativa dada é semelhante à que foi dada pelo presidente da Assembléia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, quando foram libertados 40 trabalhadores na fazenda em São Félix do Araguaia (MT) no dia 24 de junho. Ele afirmou que a culpa era dos “gatos” (contratadores de mão-de-obra do fazendeiro) – justificativa recorrente de pessoas que se utilizam de testas-de-ferro para não cumprirem com as responsabilidades trabalhistas. Picciani acabou indiciado pelo Ministério Público Federal.

O grupo móvel do Ministério do Trabalho chegou a fazenda Tabuleiro na última terça-feira (26). Constada irregularidades, os auditores do MTE exigem que o dono da fazenda paguem os direitos trabalhistas dos funcionários. A equipe só deixa a região depois que todos recebam seus direitos e os autos de infração forem lavrados. O dono da propriedade ainda responderá a processo na justiça.

O mês de agosto foi de muito trabalho para as equipes do MTE. Em ação iniciada na semana passada, uma equipe resgatou na fazenda Roda Velha Agroindustrial, no município de São Desidério (BA), mais de 800 trabalhadores escravos – a maior libertação já feita em todo o país. Entre eles, muitos adolescentes e mais de 70 pessoas doentes.

As duas ações colocaram a Bahia, historicamente um fornecedor, entre os estados que mais se utilizam de trabalho forçado e degradante. O Pará é o principal consumidor desta “mão-de-obra”.

Como alguém se torna um escravo

A escravidão de hoje é diferente daquela existente no século 19, mas tão perversa quanto. Devido à seca, à falta de terra para plantar e de incentivos dos governos para fixação do homem no campo, ao desemprego nas pequenas cidades do interior ou a tudo isso junto, o trabalhador acaba não vendo outra saída senão deixar sua casa em busca de sustento para a família.

Ao ouvir rumores de que existe serviço farto em fazendas, ele vai para esses locais espontaneamente ou é aliciado por gatos (contratadores de mão-de-obra que fazem a ponte entre o empregador e o peão). Estes, muitas vezes, vêm buscá-lo de ônibus ou caminhão – o velho pau-de-arara.

Já na chegada, o peão vê que a realidade é bem diferente. A dívida que tem por conta do transporte aumentará em um ritmo constante, uma vez que o material de trabalho pessoal, como botas, é comprado na "cantina" do próprio gato, do dono da fazenda ou de alguém indicado por eles.

Os gastos com refeições, remédios, pilhas ou cigarros vão para um "caderninho", e o que é cobrado por um produto dificilmente será o seu preço real. Um par de chinelos pode custar o triplo. Além disso, é costume do gato não informar o montante, só anotar. Saber o valor correto não adiantaria muito, pois, na maioria das vezes, o local de trabalho fica em áreas isoladas e os peões não têm dinheiro. Cobra-se por alojamentos precários, sem condições de higiene.

No dia do pagamento, a dívida do trabalhador é maior do que o total que ele teria a receber – isso considerando que o acordo verbal feito com o gato é quebrado, tendo o peão direito a um valor bem menor que o combinado. Em outras situações, até os próprios gatos da fazenda são enganados pelo proprietário. Ao final, quem trabalhou meses sem receber nada acaba devedor do gato e do dono da fazenda, e tem de continuar suando para poder quitar a dívida. Um poço sem fundo.

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