Artigo – Seca começa a castigar

Inicia-se o período em que os meses terminam em BRO, quando não chove mais na região. Previsível, a tragédia da seca ameaça mais uma vez os nordestinos, que sentem também os efeitos do atraso das verbas federais
Por João Suassuna
 04/09/2003

Recife – Foi noticiado na Folha de S. Paulo, na edição do dia 29 de agosto de 2003, que cento e uma cidades da Paraíba se encontram em estado de calamidade pública decretado em função da seca. O problema foi agravado pelo fato de o governo federal ter atrasado programas assistenciais antigos – como o Bolsa-Renda e o de Carros-Pipa – e só ter enviado recursos do Fome Zero a 16 municípios do estado. A seca na Paraíba – que tem 223 cidades – já atingiu três regiões do estado. A União liberou em junho para o transporte de água em 165 carros-pipa apenas R$ 400 mil, que já acabaram. O governo da Paraíba afirma que necessitaria de, pelo menos, de R$ 6,5 milhões para compra de caminhões e ações de abastecimento.

Essas informações veiculadas pela Folha de S. Paulo são agravadas pelo fato de estarmos iniciando, no Nordeste, o período do ano em que os meses terminam em BRO (setembro a dezembro), quando não chove mais na região e, sob essa ótica, o nordestino costuma comparar o ambiente ali formado às trelas do capeta que anda às soltas, impregnando a atmosfera com cheiro de enxofre, dando a impressão de agravar ainda mais o ambiente inóspito formado pela aridez.

As conseqüências advindas dessa situação no estado da Paraíba não poderiam ser diferentes: municípios como Taperoá, com cerca de 13 mil habitantes, e Campina Grande, a segunda maior cidade do estado, com cerca de 250 mil, amargam situação vexatória de desabastecimento, com as represas que as abastecem (açudes Manoel Marcionilo e Boqueirão) praticamente vazias. No município de Taperoá, por exemplo, a água já está sendo transportada, através de carros-pipa, do município de Santa Luzia, distando aproximadamente 70 km, a um custo de R$ 1 a lata de 20 litros.

Em Campina, a represa de Acauã, que seria a alternativa julgada mais promissora para suprir as deficiências volumétricas do açude de Boqueirão no atendimento à cidade, não acumulou água em volumes suficientes, tendo em vista não se ter levado em consideração, no projeto de sua construção, a sucessão de barramentos a montante do reservatório, o que veio dificultar o escorrimento normal das águas no interior de toda a bacia hidrográfica e, consequentemente, impossibilitar a acumulação da água na dita represa.

Para nós, que estamos envolvidos com esses assuntos há algum tempo, a situação criada na região não foi motivo de surpresa. Aliás, não foi por falta de aviso que essas questões chegaram ao ponto onde se encontram. Em abril de 2002, divulgamos um artigo na internet intitulado “Perspectivas na geração elétrica: aos vencedores as batatas!”, no qual, entre outros assuntos, divulgamos o trabalho “Previsão de período de seca para o Nordeste do Brasil”, dos pesquisadores Carlos e Roberto Girardi, do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), de São José dos Campos (SP), contendo informações sobre as previsões da chegada de um novo ciclo seco no Nordeste, a ser iniciado em 2003, com perspectivas de os piores anos estarem compreendidos entre 2004 e 2008.

Pelo visto, é o que, infelizmente, está se configurando para o Nordeste brasileiro nos próximos anos, uma vez que os totais pluviométricos acumulados no ano de 2003, nas regiões do Cariri e Curimatau paraibanos, foram 34,9% abaixo da média. Aliás, a nossa preocupação de proporcionar alternativas para o enfrentamento dos efeitos da seca no Nordeste já tem um certo tempo. Em julho de 1999 divulgamos um documento de Donald A.Wilhite intitulado “Uma metodologia para a preparação do combate aos efeitos da seca”, no qual o autor, ao longo de dez etapas, fazia um relato de como os americanos costumavam lidar com o fenômeno da seca, mostrando que, naquele país, além de alta prioridade em termos metodológicos, as respostas à sociedade americana com relação a esse tema já haviam sido dadas há algum tempo.

Diante dos atuais desabastecimentos, cremos que a situação do Nordeste nesses aspectos só tende a piorar. As secas já são previsíveis, estão acontecendo e as medidas necessárias para o combate aos seus efeitos não estão sendo postas em prática, ou mesmo pensadas, sendo exemplo disso os magros repasses de recursos havidos para o estado da Paraíba. Essas dificuldades começaram pela Paraíba e, certamente, se agravarão pelos demais estados nordestinos no chamado “Miolão da Seca”, região na qual a incidência de secas ocorre comprovadamente em mais de 80% de sua área e que compreende as regiões oeste dos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o estado do Ceará por inteiro e a parte leste do estado do Piauí.

Finalmente, esperamos que as medidas estruturadoras e necessárias ao abastecimento do Nordeste sejam realmente idealizadas e postas em prática pelas autoridades e que a sociedade se mobilize para reivindicar o seu direito de acesso a água, um bem natural por demais precioso e indispensável à vida de todos.

João Suassuna , engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, é considerado um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

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