Carandiru, 1992

 01/10/2003
O deputado estadual coronel Ubiratan, que recorre de sua condenação. Foto por Nelson Lin

 

A desativação da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, no ano passado não apagou da memória a intervenção da Polícia Militar que resultou na morte de 111 detentos em 1992. O caso já rendeu filme e livros, mas permanece sem conclusão nos tribunais: 84 policiais envolvidos ainda aguardam julgamento, e o comandante da operação, o coronel Ubiratan Guimarães – eleito no ano passado para a Assembléia Legislativa de São Paulo pelo Partido Progressista –, recorre da condenação em liberdade.

No dia 2 de outubro de 1992, a PM de São Paulo foi instruída a reprimir uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção com tropas armadas de revólveres e metralhadoras – em desacordo com o que é de praxe nas operações de contenção de motins. Além dos mortos, todos detentos, 153 pessoas ficaram feridas (destas, 23 eram policiais). A reconstituição do massacre não pôde ser feita totalmente, porque, de acordo com a perícia, os locais onde ocorreu a ação foram adulterados. Dessa forma, os relatórios deixaram margem a interpretações divergentes.

"Se não houvesse ação da polícia, talvez tivessem morrido dez vezes mais pessoas", afirma o coronel Ubiratan. Porém, Felipe Cavalcanti, um dos promotores do caso, lembra que esse argumento não anula a acusação de homicídio: "Na condição de comandante da operação, ao colocar uma tropa de combate em ação, o coronel assumiu o risco das mortes".

Entre o inquérito e a entrada do processo no tribunal transcorreram quase quatro anos. Nesse meio tempo, os crimes de lesões corporais leves prescreveram, livrando 29 policiais de penas que poderiam chegar a mais de 20 anos de reclusão. O julgamento do coronel Ubiratan, realizado nove anos depois, resultou numa condenação a 632 anos de prisão por 102 homicídios. Réu primário, ele recorre da decisão em liberdade enquanto a defesa espera resposta do STJ a um pedido de anulação do primeiro julgamento.

Se as alegações da defesa forem consideradas improcedentes, ele cumprirá a sentença, sem necessidade de licença ou cassação de seu mandato de deputado estadual. Caso sejam aceitas, a sentença será anulada e haverá um novo julgamento, que pode livrá-lo do júri popular, uma vez que ele tem as prerrogativas especiais do cargo. Os processos dos outros policiais militares envolvidos também estão em fase de recurso de uma decisão anterior, que determinava julgamento popular. Vale lembrar que, em um caso de grande repercussão como esse, o júri tende a ser desfavorável aos réus.

Luiz Antônio Fleury Filho, governador na época do massacre e hoje deputado federal pelo PTB, demitiu o então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, logo depois do caso, mas aprovou a conduta da polícia no julgamento do coronel Ubiratan, em que foi testemunha de defesa.

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