Dez anos de impunidade

Em 1993, três chacinas envolvendo meninos de rua, pobres e índios marcaram a opinião pública. Outras vieram nos anos seguintes e a coisa mudou. Hoje, os extermínios coletivos são raros. As mortes acontecem a conta-gotas
Por vários autores*
 01/10/2003

Em 23 de julho de 1993, oito crianças foram assassinadas por policiais na Praça da Candelária, no Rio de Janeiro. No mesmo dia, 12 ianomâmis morreram pelas mãos de garimpeiros que invadiram suas terras em Roraima. Pouco mais de um mês depois, 21 inocentes perderam a vida durante um arrastão de policiais militares (PMs) na favela de Vigário Geral, novamente no Rio. Os casos tinham em comum o fato de vitimar pessoas excluídas socialmente: menores de rua, índios e pobres da periferia.

Passada uma década, o Estado ainda não deu uma resposta satisfatória à sociedade – seja com a conclusão do processo judicial, seja com a eliminação das condições que permitiram essas mortes. Ao mesmo tempo, a mídia, que havia dedicado abundante espaço à exploração das histórias de vítimas e sobreviventes, retoma esses casos apenas em datas redondas, condicionando o debate público às efemérides. Esta reportagem traz não apenas essas três histórias, mas também outros quatro casos que chocaram a sociedade na última década e não foram completamente resolvidos.

O envolvimento de policiais militares foi uma constante. Se, hoje, chacinas como as de 1993 são mais raras, o mesmo não se pode dizer da violência policial. O Segundo Relatório Nacional sobre Direitos Humanos – elaborado pela Comissão Teotônio Vilela e pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) – mostra que aumentou a quantidade de mortes em ações denunciadas como ilegais. Em São Paulo, o número de pessoas mortas por policiais passou de 647, em 1999, para 703 em 2001. No Rio de Janeiro, de 288 para 592.

Apontada como um instrumento fundamental para combater a impunidade, a proposta de lei que transfere o julgamento de crimes contra os direitos humanos para a esfera federal é uma saída para evitar a interferência de grupos políticos locais. Apresentada por Hélio Bicudo, então deputado federal e hoje vice-prefeito de São Paulo, ela fazia parte do projeto de reforma do Judiciário, que está congelado no Senado. O atual governo, que não pretende adotar esse pacote de mudanças, já solicitou seu desmembramento para que ela tenha tramitação independente.

O Poder Judiciário tem sua parcela de responsabilidade no clima de impunidade que alimenta a violência. "A Justiça, que pode ser extremamente ágil em conceder liminares de reintegração de posse e determinar despejos no caso de ocupações, mostra-se lenta quando se trata de julgar e punir assassinatos e outras formas de violência contra os trabalhadores rurais", diz o relatório, que foi patrocinado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão federal com status de ministério.

Para que os direitos humanos sejam efetivamente respeitados no país, são necessárias profundas mudanças sociais, pois há impunidade também quando o governo não atua para acabar com a situação de desigualdade ou exploração que estava na origem do conflito. Seja ao permitir que garimpeiros continuem a explorar reservas indígenas, seja ao tolerar que crianças durmam na rua ou trabalhadores percam a vida na luta pela reforma agrária.

Castelinho, 2002

Eldorado dos Carajás, 1996

Corumbiara, 1995 

Candelária, 1993

Ianomâmis, 1993

Vigário Geral, 1993

Carandiru, 1992 

*Autores: Angela Pinho, Claudia Carmello, Denise Galvani, Fernanda Sucupira, Leonardo Sakamoto, Lidia Neves, Lúcia Nascimento, Marcio Kameoka, Natália Suzuki, Nelson Lin, Rafael Sampaio, Renata Summa e Rodrigo Pereira. Reportagem originalmente produzida para a revista Problemas Brasileiros

Setembro de 2003

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