Cerca de 50 policiais militares, que estavam fora de seu horário de serviço, entraram atirando na favela de Vigário Geral, município do Rio de Janeiro, na noite de 30 de agosto de 1993. Mataram oito adultos após invadirem uma casa, sete trabalhadores que se divertiam em um bar e outras seis pessoas que passavam pelo local. Hoje, dez anos após a chacina em que morreram 21 inocentes, apenas um dos 52 acusados está preso, e o sentimento de insegurança em Vigário Geral ainda é grande. Operações como essa não acontecem mais, agora "as chacinas são à prestação", afirma André Fernandes, presidente da Agência de Notícias das Favelas.
O motivo alegado pelos policiais para a invasão foi um acerto de contas pelo suposto assassinato de quatro PMs por traficantes de Vigário Geral, na noite anterior. Flávio Negão, então líder do tráfico da favela, negou essa versão em entrevista ao jornalista Zuenir Ventura. Segundo ele, os quatro foram mortos por seus próprios colegas, como vingança por não terem dividido uma comissão paga após a chegada de um carregamento de cocaína. O depoimento do traficante não foi levado em consideração pelas autoridades.
A denúncia contra os policiais partiu de Ivan Custódio, ex-informante da PM, e levou à acusação de 33 pessoas. Esse processo ficou conhecido como Vigário Geral 1, e resultou na condenação de seis dos participantes da chacina, dos quais quatro estão soltos por habeas corpus, outro, foragido, e apenas um preso. Nove pessoas foram absolvidas e três não foram julgadas por falta de provas.
Durante o processo, porém, uma gravação de áudio feita na carceragem onde estavam presos preventivamente alguns dos acusados acabou por inocentar dez dos envolvidos e incriminar outros 19. Segundo Paulo Rangel, atual promotor do caso, destes dez, quatro morreram – três assassinados e um de câncer. "Foram executados exatamente aqueles que fizeram a fita", explica ele.
Isso deu início a um segundo processo: Vigário Geral 2. Dos 19 acusados, oito tiveram de ser liberados por falta de provas e um cumpriu pena porque uma das armas do crime foi encontrada em seu poder. No dia 23 de julho passado, outros nove foram liberados num julgamento em que a fita gravada não foi considerada prova legítima. E o último ganhou um recurso e não será julgado. No dia 5 de agosto, porém, foi decretada a prisão preventiva dos seis remanescentes do grupo que havia sido absolvido por causa da fita em Vigário Geral 1. A justificativa: se a gravação não é válida para acusar, também não pode servir para inocentar. Não há data marcada para esse novo julgamento.
Além de complicado, o processo de Vigário Geral também é moroso. O primeiro julgamento demorou quase três anos para acontecer. O atraso foi causado por seguidos recursos encaminhados pela defesa. "Perto do ‘aniversário de dez anos’ [do massacre] há julgamento", afirma André Fernandes.
Neste meio tempo, a sociedade promoveu algumas mudanças. Na residência em que morreram oito pessoas, foi instalada a Casa da Paz, dirigida por Caio Ferraz, sociólogo residente em Vigário Geral. A organização se tornou símbolo da luta contra a violência, mas fechou em 1998 por falta de recursos. Outra iniciativa foi a criação da ONG Viva Rio. De acordo com Rubem César Fernandes, antropólogo e um dos idealizadores da organização, seu objetivo é mudar a "visão de terror" que as pessoas da classe média têm da favela.
Em novembro de 2000, o ex-governador Anthony Garotinho aprovou uma lei que concedia R$ 10 mil para familiares das vítimas de Vigário Geral – o dinheiro, no entanto, só poderia ser usado na compra de imóvel. Outro detalhe é que essa lei só foi feita pouco antes de uma visita de integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), ao Brasil.