Redenção (PA) – Foi lançada nesta segunda (24) na sede do Sebrae de Redenção a campanha estadual para a erradicação do trabalho escravo no Pará. O Estado apresenta o maior número de casos de pessoas escravizadas atualmente no país. A campanha, coordenada pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT) em parceria com mais 27 organizações da sociedade civil e do governo, vai ao encontro da campanha lançada recentemente pelo governo federal, que pretende acabar com a prática no país. De acordo com Socorro Gomes, chefe da DRT do Pará, o objetivo principal da ação é a conscientização da sociedade civil com relação à existência do trabalho escravo no Brasil, mais a repressão aos empregadores que usam este tipo de mão-de-obra.
Para operacionalizar a campanha, serão distribuídas, já no início de dezembro, milhares de cartilhas à população. O primeiro local de distribuição será a cidade de Marabá, um dos maiores focos de trabalho escravo no país. Além das cartilhas, também esta sendo proposto um selo para produtos produzidos no Estado livres da mão-de-obra escrava, e uma campanha maciça será feita na mídia estadual. Três universidades do Estado aderiram ao projeto: a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade Estadual do Pará e a Universidade da Amazônia. Elas acrescentarão no currículo de seus cursos de pós-graduação informações para o combate e erradicação do trabalho escravo, além de técnicas para melhoria da vida no campo.
O secretário especial para Direitos Humanos, Nilmário Miranda, presente ao lançamento, ressaltou que todo combate ao trabalho escravo será feito democraticamente, proporcionando um grande diálogo entre as partes envolvidas, sejam fazendeiros ou trabalhadores. “Lula mostrou que quer um grande pacto nacional para desenvolver este país”, disse o secretário. Segundo ele, a imensa maioria dos empresários do Pará repudia esta prática e apenas uma minoria a utiliza.
Novas medidas
Durante o lançamento da campanha em Redenção, Nilmário Miranda lembrou da importância da Lista Suja do Trabalho Escravo, publicada na semana passada pelo governo federal com o nome de empresários já condenados por utilizar este tipo de mão-de-obra. Antes do início do evento, fazendeiros do Sindicato Rural de Redenção questionaram o secretário sobre a possibilidade de um nome constar eternamente da lista. Mas Miranda explicou que estão sendo criados mecanismos de exclusão e que a lista será atualizada a cada seis meses. O secretário adotou um tom conciliador e não quis colocar toda a “população” de fazendeiros no mesmo saco do trabalho escravo.
O governo também informou que, até janeiro, lançará um número para denunciar trabalho escravo, prostituição infantil e outras violações de direitos humanos. E o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Lélio Bentes, disse que Redenção sediará a primeira das 269 novas Varas do Trabalho, criadas oficialmente na semana passada. É um ato simbólico para o governo, numa cidade onde o número de trabalhadores escravizados é grande.
A representante da Organização Internacional do Trabalho, Patrícia Audi, afirmou que, no ano que vem, a OIT pretende trazer a público a identificação da cadeia econômica de produção que utiliza mão-de-obra escrava, “para que a sociedade auxilie nessa luta não comprando esses produtos”.
Protestos
Na chegada a Redenção, a comitiva formada por ministros, secretários, juízes, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e demais entidades que participariam do lançamento da campanha foi recebida por faixas que diziam: “Nosso maior patrimônio: a dignidade”, “Por que perseguem nossa região?”, “Somos a favor de Redenção”. As faixas estavam penduradas em pontos estratégicos da passagem da comitiva ou eram seguradas por jovens vestidos de preto. O protesto foi organizado pelo Sindicato Rural de Redenção, que reúne proprietários de terra e instituições como a Federação de Agricultura do Estado do Pará (Faepa).
Segundo Luciano Guedes, ex-presidente do Sindicato de Redenção e vice-presidente da Faepa, Redenção está “sendo rotulada” como local de trabalho escravo pelo governo federal. “Estamos perdendo emprego, e a criminalidade na cidade está aumentando”, disse Guedes. Para ele, há um exagero por parte do Ministério do Trabalho e Emprego e uma violência por parte da Polícia Federal, que vai armada fazer as inspeções nas fazendas. Guedes foi categórico ao afirmar que a cidade estava de luto por conta deste rótulo.
Questionados sobre o fato da cidade estar de luto, os moradores que observavam a manifestação negaram o protesto. “Isso é coisa dos fazendeiros com o prefeito”, afirmou um deles. Já os jovens que seguravam as faixas sequer sabiam o porquê do protesto. Cada um recebeu R$ 15 por dia para se vestir de preto e seguras as faixas. “Se me dessem R$ 15,50 para eu ir embora, eu ia”, disse um deles. Os jovens confirmaram apenas que é difícil encontrar emprego na cidade. As poucas ofertas que aparecem são em fazendas, para roçar o pasto e prepará-lo para o gado, um trabalho considerado degradante e insalubre.
Embate direto
O prefeito de Redenção, Mário Moreira, afirmou que nunca foi encontrado nenhum caso de trabalho escravo em fazendas do município, o que foi confirmado por frei Henry de Roziers, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara. Roziers explicou, no entanto, que o município é pequeno e que, apesar de não haver fazendas com trabalho escravo em Redenção, é para o município que os fazendeiros levam seus escritórios. A cidade é o subcentro comercial e financeiro da região.
O prefeito também afirmou que há anos não há invasão de terras em Redenção, mas Roziers lembrou que há acampamentos dentro do município, com mais de 200 barracões de lona, lutando pela desapropriação de terras. O frei foi desafiado por Luciano Guedes, um dos organizadores do “protesto”, a resolver o problema do trabalho escravo dentro de casa, sem a intervenção do governo federal. “Vamos resolver nosso problemas aqui, não precisamos levar para fora. O senhor pode vir até mim trazer a denúncia e nós iremos até a fazenda resolver”, disse Guedes.
Para a CPT, no entanto, o combate ao trabalho vai além de levar as denúncias até Brasília. Aplaudido de pé, Roziers afirmou que o trabalho escravo não será erradicado pela repressão, mas pela conscientização do trabalhador e da sociedade e pela mobilização. Para ele, o fundamental &
eacute; dar emprego e terra para a população plantar. E fez um apelo às autoridades locais: “façam um sinal concreto para a região: que dêem solução aos acampamentos dando terra a centenas de pessoas”.
Ruth Vilella, secretária nacional de Inspeção do Trabalho, representante do MTE, disse que também estava em luto, mas em nome das mulheres que perderam seus maridos, pais e filhos que saíram em busca de sustento e foram assassinados pela escravidão. “Meu luto é por todos os 27 milhões de trabalhadores escravos no mundo, que estão em uma situação que, por coincidência, é semelhante à encontrada no Brasil e na região de Redenção”, disse ela, vestida de preto. “É por eles que devemos chorar, lutar e unir nossas forças.”
Nesta segunda-feira (24), os fazendeiros mandaram fechar o Country Clube da cidade, onde outro evento seria realizado na ocasião do lançamento da campanha. A atividade foi transferida para a Associação Atlética do Banco do Brasil, onde um grupo de mulheres e filhas de fazendeiros, auto-intituladas “Mulheres de Raça”, também tentou impedir a realização do evento. O novo protesto foi coordenado por Talita Andrade, filha do finado Jairo Andrade, dono da fazenda Forquilha – que está na Lista Suja do Trabalho Escravo publicada pelo governo.
Colaborou Bia Barbosa