MP conclui que Castelinho foi uma “farsa macabra”

Espetáculo macabro, farsa, armadilha para uma execução, plano de extermínio, ação bélica, doze penas capitais. Foram estas as definições da denúncia do Ministério Público para a ação no pedágio da rodovia "Castelinho", onde 12 supostos integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) foram mortos, no dia 5 de março de 2002.
Por Último Segundo/iG
 04/12/2003

“Fizeram um espetáculo. Toda a operação foi uma armadilha para a execução destas pessoas”, declarou a promotora Vânia Maria Tuglio, autora da denúncia apresentada nesta quinta-feira à Justiça de Itu denúncia contra 53 policiais militares e dois presos condenados infiltrados na operação.

Entre os denunciados, há dois tenentes-coronéis, dois capitães, dois majores e quatro tenentes, incluindo os dois coordenadores do Gradi (Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância) que, segundo o Ministério Público, teria sido o mentor da “farsa”, oferecendo veículos, armas e telefones.

Os 55 denunciados vão responder por homicídio triplamente qualificado (motivo fútil, meio cruel e emboscada) e, em determinados casos, por roubo de duas caminhonetes e fraude processual (sumiço de provas e modificação do cenário do crime).

“Os crimes de morte foram levados a efeito em circunstâncias espetaculares e com o fim de sedimentar uma ‘imagem boa’ do Gradi e das unidades policiais articuladas para essa operação, numa demonstração equivocada, desnecessária, gratuita e macabra de força, configurando-se dessa maneira, a futilidade da motivação subjacentes aos delitos cometidos”, afirma a denúncia.

Imagens das câmeras do pedágio sumiram

Para chegar até esta conclusão, a promotora solicitou que todas as perícias fossem refeitas e deu início a uma nova investigação, ouvindo novamente as testemunhas e procurando outras, uma vez que todas as testemunhas haviam sido indicadas pelos próprios policiais envolvidos da operação.

Apesar do cenário do crime não ter sido preservado, o Ministério Público conseguiu reunir provas que indicam que não teria ocorrido confronto, conforme sustentou a polícia. Inquérito conduzido pelo diretor do Denarc (Departamento de Narcóticos), Ivaney Cayres de Souza, que na época era o delegado titular do Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Deinter 7), concluiu que houve um tiroteio intenso, com tiros disparados de ambos os lados, e que a operação foi “legítima”.

A ação também recebeu elogios do secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho e pelo governador Geraldo Alckmin. Quando a operação ocorreu, as autoridades de segurança de São Paulo estavam sob pressão por uma série de fatos, como os atentados a bomba do PCC, rebeliões e o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel.

A perícia concluiu que as fitas apresentadas pela polícia como as das câmeras da praça de pedágio são cópias parciais, editadas, na sua maior parte de cenas posteriores ao tiroteio. Segundo a denúncia, após a ação os policiais determinaram que os funcionários da Viaoeste entregassem as fitas gravadas pelo sistema da praça de pedágio.

As perícias também não mostraram qualquer indício de reação por parte dos ocupantes do ônibus e das duas caminhonetes, onde estavam os 12 que foram mortos, o que levou ao Ministério Público concluir que se tratou de uma execução. Testemunhas informaram que viram os ocupantes dos veículos descerem dos carros rendidos – sem atirar – e que o tiroteio teria começado minutos depois. Uma das testemunhas chegou a informar que as armas do grupo estariam no bagageiro no ônibus.

Policiais continuam na ativa e foram promovidos

Nenhum policial denunciado foi afastado até o momento. A maioria continua na ativa. Nesse período, alguns chegaram inclusive a serem promovidos. Os dois presos infiltrados cumprem pena em celas de segurança e afirmam ter “medo de morrer”.

Os oficiais denunciados foram: os tenentes coronéis José Roberto Marques e Romeu Takami Mizutani; os majores Augusto Fernando da Silva e Roberto Mantovan; os capitães Carlos Alberto dos Santos e Maércio Ananias Batista; os tenentes Dimas Mecca Sampaio, Paulo César Valentim, Henguel Ricardo Pereira e Paulo Sérgio Schiavo.

O Ministério Público explicou que a prisão preventiva dos denunciados não atende os critérios previstos na lei, uma vez que não há indícios de que testemunhas estejam sendo ameaçadas ou risco de fuga do País.

Pior que o Carandiru

O assessor especial da Procurador-Geral do Ministério Público, Carlos Cardoso, criticou a legislação penal e fez um apelo para que a Secretaria de Segurança Pública afaste esses policiais do cargo.

“Retirar esses assassinos da ativa seria uma decisão bem-vinda, em benefício da sociedade”, disse. “Essa operação Castelinho, que foi vendida como uma grande realização da polícia, uma vitória do bem contra o mal, foi uma farsa macabra, talvez a maior da história da polícia de São Paulo”.

O promotor Felipe Locke, responsável pela denúncia de 120 policiais no episódio que ficou conhecido como “Massacre do Carandiru”, que resultou na morte de 111 presos em 1992, afirma que o episódio Castelinho chega a ser pior.

“É pior porque no Carandiru teve uma rebelião de verdade. Neste outro criou-se uma farsa, um falso roubo, uma falsa história para que essas pessoas entrassem e fossem mortas”.

Por Darlan Alvarenga

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