Proprietário da fazenda Nossa Senhora Aparecida, Aloísio Alves de Souza, entrega arma ao fiscal do Trabalho |
“Cada dia mais os fazendeiros tentam ludibriar a situação de exploração do trabalho escravo do Sul do Pará. Uma forma é fazer contratos fraudulentos de trabalho, mascarando os fatos para não ser figurado no trabalho escravo”, afirma Virna Damasceno, coordenadora do grupo móvel de fiscalização.
O proprietário Aloísio Alves de Souza, da fazenda Nossa Senhora Aparecida, afirmava que fazia o pagamento mensalmente aos trabalhadores. Porém, descontava ilegalmente o valor da alimentação e de outros itens comprados na cantina, gerenciada por ele próprio. Os peões recebiam o saldo restante em cheques. O interessante é que a agência bancária de Aloísio não ficava em Goianésia. Os trabalhadores não conseguiam sacar o dinheiro e usavam os cheques no comércio local, mediante um desconto no seu valor nominal. No final, não recebiam o salário. Aloísio pedia as carteiras de trabalho, mas não as assinava.
Virna Damasceno, do MTE, e Lóris Pereira Júnior, do MPT, dão palestra a trabalhadores sobre seus direitos |
“Tudo o que eles [os peões] pegam aqui tem desconto. Arroz, feijão, óleo, café, açúcar, sabão, milharina, bolacha…”, conta Manuel dos Reis. O cerceamento da liberdade também ocorre por meio do isolamento físico a que ficam submetidos os trabalhadores, com dezenas de quilômetros separando os barracos de lona e palma de babaçu do telefone público mais próximo.
Outra forma de ludibriar a fiscalização e enganar trabalhadores foi constatada em uma ação iniciada no dia 20 de novembro, quando foram libertados 22 trabalhadores que estavam em situação de escravidão na fazenda Entre Rios – de plantação de arroz e soja – a 125 quilômetros do município de Sinop, norte de Mato Grosso.
“Tudo o que eles [os peões] pegam aqui tem desconto. Arroz, feijão, óleo, café, açúcar, sabão, milharina, bolacha…”, conta Manuel dos Reis. |
De acordo com Valderez Monte, coordenadora deste grupo móvel, uma empresa de prestação de serviços que respondia pela contratação para a fazenda Entre Rios estava em nome de dois gatos. A JS Prestadora de Serviços funcionava como fachada para encobrir o desrespeito aos direitos trabalhistas. Além disso, foram encontradas carteiras assinadas com data posterior à real e salário abaixo do acordado. Mesmo assim não havia pagamento.
Depois que motosserras tombam a floresta na região, levas de trabalhadores percorriam a área desmatada da Entre Rios, arrancando tocos de árvores e raízes, limpando o terreno para receber a soja ou o arroz. Uma grávida de quatro meses foi encontrada nessa tarefa. Como a fronteira agrícola avança diariamente no norte de Mato Grosso, o número de pessoas utilizadas no serviço é grande, principalmente nordestinos – fugitivos da falta de emprego e de terra.
Motosserra utilizada para derrubar a floresta em sítio no município de Sapucaia (PA) |
A maior parte dos libertados é do Maranhão, trazida de lá por Chiquinho, um gato (contratador de mão-de-obra que faz a ponte entre o empregador e o peão) preso na ação. De acordo com Valderez, os trabalhadores temiam o gerente, que repetia: “maranhense tem que apanhar mesmo de facão”.
São Paulo, dezembro de 2003