Fundação Museu do Homem Americano pode fechar

Com problemas financeiros desde 1998, a Fundação Museu do Homem Americano, que cuida dos 100 mil hectares do Parque Nacional da Serra da Capivara, corre o risco de ser fechada. Um corte no orçamento do Ministério do Meio Ambiente minou R$ 3 milhões que seriam destinados ao parque
Por Fernanda Sucupira
 26/01/2004

A Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), que cuida do Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, passa por dificuldades financeiras e ameaça fechar suas portas. O parque ocupa uma área de 100 mil hectares e possui mais de 700 sítios arqueológicos, com a maior concentração de pinturas rupestres das Américas, fundamentais para o estudo da evolução do homem e da ocupação do continente americano. Em 1991, o Parque Nacional Serra da Capivara foi reconhecido pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade. Sua estrutura, que conta com 350 km de estradas e 120 sítios preparados para visitação, foi considerada pela ONU a melhor da América Latina. O parque é ainda uma área de proteção ambiental, com fauna e flora riquíssimas.

Em 2002, segundo a direção do parque, houve problemas no envio de dinheiro do governo federal, e o ano de 2003 teria sido catastrófico para a fundação. “A primeira liberação de verba de 2003 veio no dia 24 de dezembro, como presente de Natal”, ironiza Niède Guidon, arqueóloga, diretora do parque e da fundação. Foram R$ 248 mil procedentes do Ministério da Cultura, destinados à conservação dos sítios arqueológicos. Mas, segundo Niède, seriam necessários R$ 220 mil mensais para a manutenção do parque.

Em 2003, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara aprovou emenda ao orçamento do Ministério do Meio Ambiente para ampliação do sistema nacional de unidades de conservação. A emenda previa cerca de R$ 20 milhões para os parques nacionais, sendo R$ 3 milhões destinados ao da Serra da Capivara. Como o orçamento geral não condizia com os recursos do país, o governo federal contingenciou 60% do orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Na redivisão do dinheiro, a ministra Marina Silva priorizou as ações previstas no orçamento e barrou todas as emendas.

Dessa forma, os recursos aprovados para a Serra da Capivara deixaram de existir. A Diretoria de Áreas Protegidas, que deveria receber R$ 22 milhões, recebeu apenas R$ 1 milhão. No orçamento de 2004, ainda indefinido, a situação pode se repetir. “Quando precisa cortar, o governo corta na cultura e no meio ambiente. Eles não consideram essas áreas como geradoras de emprego e renda”, lamenta Niède.

Em convênio com a Unesco, o país assumiu a obrigação de conservar esse patrimônio cultural da humanidade, mas, mesmo assim, o Ministério da Cultura ainda não tem previsão de recursos para a Fumdham em 2004. “Há boa vontade dos ministérios, o problema maior é essa política do governo federal de não liberar dinheiro, preocupando-se apenas em cumprir metas”, completa Niède. Para fechar as contas da Fumdham no fim do ano, ela precisou retirar todo o dinheiro de sua conta pessoal e pegar empréstimos no banco.

Falta de funcionários

Além dos R$ 220 mil mensais, seriam necessários cerca de 150 funcionários para manutenção da infra-estrutura da Serra da Capivara. Em 2003 trabalhavam 140, que foram reduzidos para 89 por conta dos cortes. “Temos três funcionários do Ibama no parque, enquanto 3.000 ficam em Brasília”, reclama a diretora do parque.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) reconhece que não fornece todo o recurso necessário, mas justifica que todas as áreas do governo federal estão sem dinheiro. Segundo Cecília Ferraz, diretora de ecossistemas do Instituto, o Parque Nacional Serra da Capivara é “absolutamente bem cuidado, e o Ibama tem passado dinheiro relativamente suficiente e com regularidade”.

No fim de 2002, o Instituto assinou convênio de R$ 438 mil com a fundação para execução de plano de trabalho e atividades de manutenção da estrutura. “Valorizamos muito o parque, por isso foi o único convênio assinado pelo Ibama para 2003”, afirma Cecília. Para a entidade, não faz sentido sobrepor trabalhos; o papel do Instituto é apenas de monitoramento e co-gestão do parque. Por isso o número reduzido de funcionários.

A diretora admite, no entanto, que os problemas financeiros se repetem ano a ano. Mas garante que, apesar da ameaça, a Fumdham não vai fechar. No final de novembro, a fundação mandou um plano de trabalho para 2004, pedindo R$ 600 mil para o parque. “Quando o orçamento for aprovado e liberado, será feito um novo convênio com a fundação”, garante Cecília.

Aeroporto fantasma

Desde sua criação, a Fumdham possui um fundo próprio, com recursos vindos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para investimento na infra-estrutura, do governo francês, para pesquisa, e do governo italiano, para projetos de educação. Falta, no entanto, dinheiro para a manutenção do parque, que é responsabilidade do governo brasileiro.

A crise começou em 1998, quando foi anunciada a construção do primeiro aeroporto da região, em São Raimundo Nonato. A fundação contratou então uma empresa suíça especializada em turismo ecológico e cultural para construir um hotel e um grande parque de visitação com o objetivo de tornar-se auto-sustentável. Estimou-se que com a construção do aeroporto e da estrutura para receber os turistas as visitas poderiam chegar a três milhões por ano.

No entanto, até hoje o aeroporto não foi construído, e apenas cerca de 25 mil turistas visitam o Parque Nacional Serra da Capivara por ano por conta da dificuldade de acesso. “O Ministério da Aeronáutica repassou o recurso, mas o governo do Estado do Piauí, que seria apenas o ‘mestre-de-obras’, sumiu com o dinheiro”, acusa Niède.

A assessoria do ex-governador e atual senador Mão Santa afirma que os recursos recebidos eram destinados a aumentar e asfaltar a pista do aeroporto, obras que segundo o governo estadual foram concluídas. A responsabilidade de construir o aeroporto é atribuída por ele ao governo federal.

Por conta dessa paralisação nas obras, a Fumdham, que havia investido grande parte de seu fundo na construção do hotel, com mais de 300 quartos, e de toda a estrutura para receber os turistas, ficou descapitalizada. Uma parte significativa da renda da fundação vinha do investimento desse capital acumulado desde sua criação.

Sem dinheiro para garantir sua manutenção, a Fumdham assiste à deterioração do parque. Estradas destruídas pela chuva, cupins nas pinturas rupestres de alguns sítios, problemas nas trilhas dos turistas, falta de vigilância e depredação são alguns dos problemas apresentados até agora.

O atual governador do Piauí, Wellington Dias, comprometeu-se a construir o aeroporto. O governo do Estado garante que as obras serão retomadas em fevereiro, com previsão para terminar no prazo de um ano. Os recursos foram conseguidos por meio de convênio com o Ministério do Turismo.

Leia o apelo da Fumdham que circula na Internet:

A Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), localizada em São Raimundo Nonato, Piauí, que garante manejo e fiscalização dos mais de 700 sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara, um museu a céu aberto, incluído pela Unesco na lista de Patrimônio Cultural da Humanidade, e que, além de fornecer sustentação a projetos de pesquisas, garante também a preservação da flora e fauna da mais representativa área de caatinga do Brasil, está para fechar suas portas. Está para fechar suas portas por falta de verbas governamentais. Não podemos deixar que isso aconteça.

Encaminhe este pedido de socorro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à ministra do Meio Ambiente Marina Silva, ao ministro da Cultura Gilberto Gil , ao governador do Estado do Piauí Wellington Dias, cujos endereços eletrônicos, respectivamente, são:

[email protected]
[email protected]
[email protected]
[email protected]

Da Agência Carta Maior

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM