Ministros pedem na Câmara aprovação do confisco

Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e Ricardo Berzoini (Trabalho e Emprego) defendem aprovação da PEC 438/2001, que determina o confisco da terra onde for constatada a prática do trabalho escravo
Por Maurício Hashizume
 18/03/2004

Brasília – Dois ministros do primeiro escalão estiveram presentes na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (17), para defender a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 438/2001, que determina o confisco da terra onde for constatada a prática do trabalho escravo. A matéria, que já passou pelo crivo dos senadores, está sendo analisada em uma comissão especial e, se aprovada, ainda terá de ser levada ao Plenário.

“Do que adianta aumentar uma pena que não está sendo dada? Temos que buscar uma pena que atinja o objetivo central que é erradicar o trabalho escravo. E a melhor penalidade é a perda do bem”, afirmou o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). “Até hoje, o arsenal utilizado para combater o trabalho escravo foi insuficiente. Só tem uma pessoa presa no Brasil, em que pese o fato de ter havido mais de 200 autuações de trabalho escravo no ano passado. Só tem uma pessoa condenada até hoje no Brasil pela prática do trabalho escravo, que já vem sendo combatida há mais de 10 anos pelo grupo de fiscalização móvel. A única penalidade está sendo a obrigação de pagar o que ele deve ao empregado, o que é o mínimo que se espera, e multa de R$ 250 por pessoa que, quando não é paga, não vale nem a pena cobrar de tão pequena.”

Para o ministro, “quem pratica o trabalho escravo quer tirar lucros como espertalhão, sem cumprir a lei, enganando inclusive os seus pares que não fazem isso”. A aprovação da emenda constitucional possibilitaria, segundo Miranda, a perda da “vantagem econômica de fazer o trabalho escravo”. “O crime visa o dinheiro. Você tem que atacar o dinheiro, assim como você tem que atacar a lavagem do dinheiro dos que fazem tráfico de drogas, por exemplo”, sinalizou.

A proposta, se aprovada, seria um importante “instrumento” para o combate ao trabalho escravo. Essa foi a postura mantida pelo ministro Ricardo Berzoini (Trabalho e Emprego) durante toda a audiência pública na comissão especial que avalia a PEC. Seguindo essa linha, o ex-ministro da Previdência colocou que esse “instrumento” só terá eficácia se for acompanhado de outras “condições preventivas” – como o incentivo à divulgação de informações e a criação de alternativas de geração de emprego e renda – que, segundo ele, já estão sendo implementadas pelo governo nas regiões de maior incidência do trabalho escravo.

“Ninguém tem expectativa que uma proposta como essa seja aprovada por unanimidade, mas podemos ter uma maioria ampla favorável à expropriação das propriedades onde for caracterizado claramente e legalmente o trabalho escravo”, previu Berzoini. Ele disse ter confiança de que o “empresariado moderno” do campo dará apoio à PEC. “Evidentemente, existem setores que são contrários, que muitas vezes têm medo de uma eventual subjetividade ou porque defendem simplesmente que não haja lei no campo em relação à questão trabalhista.”

Em contraste com as esperanças do ministro do Trabalho, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), entidade que representa os maiores produtores rurais do país, é contra a presença da expropriação por trabalho escravo em lei. “Não se pode dizer que a lei é ineficaz e existe a necessidade da exacerbação da punição a esse ponto”, argumenta Rodolfo Tavares, da comissão nacional de relações de trabalho da CNA. “A PEC trará, caso seja usada ideologicamente, a maior fragilização do direito de propriedade, retirando investimentos no campo, retirando a geração de emprego e renda.”

Ao questionamento da prática de critérios “ideológicos” por parte dos fiscais do governo, o representante da CNA adiciona o fato de que a nossa história foi marcada pela ausência do poder público nas regiões de fronteira. “De 1500 até a data de hoje, o Estado não esteve presente no meio rural”, declarou. “A guerra se faz com soldado. E na trincheira não tem muita higiene, não. O que nós estamos fazendo é uma guerra pela viabilidade econômica do país. E o país precisa perder a vergonha de que será a maior nação agrícola do mundo. E o Estado, além de mostrar a sua face coercitiva, do monopólio da violência, precisa mostrar a sua presença também com apoio, com infra-estrutura.”

O criminoso, segue Tavares, geralmente não dá valor ao patrimônio. “Se essa pessoa não respeita as leis, como poderia imaginar que para ela o patrimônio teria algum valor?”, questionou. “O grande problema é que na vida prática o cidadão tem no direito de propriedade um dos pontos de maior atração para essa atividade. Se um produtor rural não tiver a expectativa de poder transmitir o patrimônio que constrói em vida aos seus descendentes, aquele atividade teria uma atração extremamente limitada”. A aprovação da proposta, na concepção defendida pela CNA, remete à Santa Inquisição, quando a pena ultrapassava o criminoso. “Com essa PEC, nós poderemos estar condenando menores e mulheres a perder um patrimônio que ajudaram a construir.”

As colocações da CNA sofrem questionamentos frontais da secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilela, que também deu seu depoimento à comissão. A suposta complexidade de caracterização do trabalho escravo, na opinião dela, consiste em um “falso dilema”, pois o “princípio da primazia da realidade” é o que vale diante da existência de pessoas que são mantidas em trabalhos que impedem o direito de ir e vir, não recebem salário e sobrevivem sob o regime de dívida crescente, sem a mínima garantia do direito fundamental à alimentação.

O ministro Nilmário Miranda, por sua vez, não poupou o outro ponto levantado pela CNA: a defesa dos direitos dos familiares do proprietário infrator. “E a família do escravizado? E o dinheiro do trabalho que não chega? É preciso pensar primeiro na vítima.”

Restrição de crédito
O ministro Nilmário Miranda garantiu que o governo federal está estudando um “mecanismo jurídico” que restrinja todos os tipos de operação de crédito com recursos públicos para empreeendedores que constarem da chamada “lista suja” do trabalho escravo.

“Os bancos oficiais não estão dando dinheiro do fundo constitucional. Dinheiro da Sudam [Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia] e da Sudene [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste] não vai mais para o trabalho escravo. Do Basa [Banco da Amazônia] e do BNB [Banco do Nordeste] não vai mais”, garant
iu. O que não há ainda – e está sendo estudada para evitar ações judiciais – é uma restrição, confirmou o ministro, para financiamentos ordinários. “Nas operações de crédito normal, ainda não há instrumentos jurídicos para fazer negativa de crédito. Também ninguém pode fazer nada ao arrepio da lei. Os bancos estão procurando mecanismos jurídicos, um embasamento para dar sustentabilidade a essa medida.”

Da Agência Carta Maior

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