O objetivo é conquistar melhor qualidade de vida
Num imenso buraco no município de Itapecerica da Serra, na divisa com São Paulo, fica o Jardim Jacira. Como muitos outros distritos pobres da região metropolitana, teve origem na beira de um córrego, num terreno acidentado e de baixo valor imobiliário. Não dispõe de sistema de esgoto, embora esteja próximo de uma região de mananciais – fica a menos de um quilômetro da Represa de Guarapiranga, que abastece de água a capital. Já foi considerado um dos locais mais violentos da Grande São Paulo, com toques de recolher dados por bandidos e avisos para que médicos andassem de branco para não ser confundidos com inimigos.
Na parte mais baixa do bairro – uma área de charco –, fica o posto de saúde. "No passado, o córrego chegou a transbordar e a água subiu pelo esgoto, inundando o prédio", lembra Myres Maria Cavalcanti, a coordenadora do posto.
A situação começou a mudar quando os moradores passaram a tomar parte nas decisões sobre a política de saúde da região. Cada unidade de atendimento, tanto em Itapecerica quanto em São Paulo, tem um conselho gestor composto pela administração e por representantes dos funcionários e da população. Os moradores, que são eleitos para um mandato de dois anos, se reúnem pelo menos uma vez por mês e não recebem remuneração pela participação. E os pleitos são levados a sério, com formação de chapas e até campanha. Os direitos e deveres do conselho relacionam-se a questões de saúde e saneamento, prestação de contas e formulação de políticas públicas. Por exemplo, surgiu no Jardim Jacira uma demanda da população, que resultou mais tarde na criação do Hospital Geral de Itapecerica.
"Desde que o conselho decidiu que era necessário um acompanhamento mais rigoroso do pré-natal, estamos conseguindo atender 100% das gestantes, antes mesmo que o governo federal tivesse exigido isso. A mulher grávida tem prioridade, e no mesmo dia faz a consulta e todos os exames", afirma Myres. Essa mudança, que não custou nada aos cofres públicos, já mostrou reflexos na queda dos índices de mortalidade infantil e de morbidade materna.
Em agosto, foi divulgada uma ampla pesquisa do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), encomendada pela Coordenadoria Especial da Juventude da prefeitura de São Paulo, sobre as condições de vida dos jovens no município. Nos 18 bairros com pior qualidade de vida para os jovens, entre os quais Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Jardim Ângela e outros visitados por esta reportagem, uma estatística preocupa: 23,1% das mulheres entre 15 e 24 anos já são mães. Em bairros em que a qualidade de vida é melhor, essa porcentagem cai para apenas 1,5%.
Das discussões do conselho do posto de saúde do Jardim Jacira surgiram parcerias com escolas de ensino fundamental e médio da região. Professores são treinados e levam para a sala de aula temas como prevenção de gravidez na adolescência e educação sexual. O posto disponibiliza também tratamento médico, psicológico e social a vítimas de abuso sexual.
Prevenção
Partiu do Conselho de Saúde a iniciativa de levar ao Jardim Jacira o Barracão Cultural da Cidadania, que oferece cursos de música, dança, teatro e tecelagem, e é mantido pela prefeitura e pelo governo estadual. O projeto tem 400 jovens inscritos. "A violência diminuiu e a população sente isso. Dizem que não é mais como antes, que já não têm mais medo de sair à noite", explica Myres. Mas o que saúde tem a ver com isso? A resposta está na idéia de prevenir a violência para não ter de tratar dos feridos.
É claro que a melhoria da região se deve a uma série de fatores, e não apenas à participação popular. Mas essa discussão, mesmo com os poucos recursos destinados à área de saúde (seriam necessários pelo menos três vezes mais para que tudo funcionasse satisfatoriamente), tem contribuído para as mudanças. De acordo com Myres, o número de óbitos por violência caiu 25% de 2000 até agora – de 110 por grupo de 100 mil habitantes para 80.
No município de São Paulo, o objetivo é criar conselhos em todas as unidades básicas de saúde. No Jardim São Luís – na Zona Sul, a mais violenta –, já houve duas eleições em cada uma das dez unidades. Um representante de cada uma compõe o Conselho Distrital, do qual sai um indicado para o Conselho Municipal.
Eduardo Lima é membro do conselho de uma unidade de saúde do Grajaú – extremo sul da capital – e do distrital, além de fazer parte do Orçamento Participativo. "Agora nosso pronto-socorro atende 15 mil casos por mês. Mas, antes que o conselho começasse a funcionar, estava desfigurado, com macas e camas quebradas, além de faltar médicos. O atendimento também era ruim. Através do diálogo e da cobrança, conseguimos melhorar bastante: equipamentos foram reformados, o prédio arrumado, e não faltam mais medicamentos." Segundo ele, a participação da população está aumentando com o tempo. "Quando se fala em reunião para discutir algo, o brasileiro tem mania de achar que não vai resolver nada. Mas as coisas estão mudando. Temos voz ativa."
Meio ambiente
A questão ambiental, que ganhou corpo no Brasil durante a década de 90 com ações e protestos de ONGs, faz parte da preocupação de grupos e movimentos espalhados pela periferia da cidade. Na luta em defesa da água e da preservação de áreas verdes, cujo objetivo é a melhoria ou manutenção da qualidade de vida, as ONGs dominam a cena com intervenções diretas.
Cidade Tiradentes, no extremo da Zona Leste, localiza-se próximo a uma região de nascentes de rios que abastecem tanto o Tietê quanto o Aricanduva e seus afluentes, e ainda a Represa Billings. O Guaió é um desses rios e, a cerca de 500 metros da nascente, recebe uma grande carga de esgoto das favelas da região. "No lugar onde a água corre e a mata ciliar deveria ser protegida, há pessoas que fazem queimada para depois plantar ou erguer um barraco", conta Jesulino Alves de Souza, presidente da Sociedade para a Defesa do Meio Ambiente e Cidadania (Sodemac), que surgiu na própria comunidade e é integrada principalmente por jovens. Suas ações vão de educação e conscientização ecológica à criação de hortas comunitárias e viveiros de mudas em terrenos abandonados. "Há muitas árvores em volta do bairro, mas não nas ruas", afirma Jesulino.
Devido ao desmatamento sem controle nos remanescentes de Mata Atlântica, em certos locais do entorno de Cidade Tiradentes está surgindo um anel de desertificação. Com as chuvas, a erosão da te
rra resulta em imensas voçorocas. A Sodemac tenta mobilizar os moradores para que exijam a criação de um parque ecológico na região, que abranja também áreas dos municípios vizinhos de Ribeirão Pires e Ferraz de Vasconcelos. Para isso, promove periodicamente caminhadas ecológicas na mata até as nascentes dos rios.