Gasodutos opõem desenvolvimento e preservação

Presidente Lula anunciou a construção do gasoduto Coari-Manaus, parte de um projeto da Petrobrás que prevê ainda o trecho Urucu-Porto Velho. Ecologistas falam em degradação ambiental
Por Leonardo Sakamoto
 23/04/2004

O presidente da República, em solenidade realizada na quinta-feira (22), anunciou a construção de um gasoduto de 420 quilômetros ligando o município de Coari, no Amazonas, até Manaus para escoar de forma mais rápida a produção da Província Petrolífera de Urucu. “Nós que somos do sul do país temos que entender que não dá para ficar dizendo que a Amazônia tem que ser um santuário da humanidade”, enfatizou Lula durante o evento. O presidente não disse isso à toa: as obras desse tipo na Amazônia são criticadas por ambientalistas, que afirmam que elas vão trazer mais prejuízos do que lucros ao país.

Ciente da polêmica, a Petrobras tem informado que não haverá risco na operação dos novos gasodutos. A empresa diz que atua na Amazônia há cerca de quatro décadas e que a conservação da natureza é uma de suas maiores preocupações. Além disso, o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) aconselha a implementação do gasoduto.

A exploração comercial da Província Petrolífera do Rio Urucu começou em 1988, dois anos após o estabelecimento do primeiro poço. A reserva provada é de 72,42 milhões de barris de óleo e 294,85 milhões de barris de gás natural– representando cerca de 24% do total de reservas nacionais, atrás apenas da bacia de Campos (50%), de acordo com dados de 2002. Sempre houve a expectativa da descoberta de grandes jazidas na floresta amazônica, assentada em uma das maiores bacias sedimentares do planeta. Prova disso é que data de 1917 o início da exploração na parte norte do país, quando o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil perfurou um poço de sondagem.

Hoje, o escoamento de gás e derivados do petróleo é feito por barcaças através do rio Solimões até a Refinaria de Manaus (Reman). A Petrobrás, que implantou o gasoduto de 285 quilômetros que liga a Província Petrolífera do Rio Urucu a Coari, tem o interesse de construir outros dois: um até Manaus e outro até Porto Velho. O primeiro ramal teve sua construção lançada pelo presidente na quinta após conseguir do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) uma licença prévia. Deverá ficar pronto antes do final do mandato de Lula e custará cerca de R$ 525 milhões.

Já o destino do projeto do ramal até Porto Velho – suspenso por ordem da Justiça Federal – está incerto. Ele tem como objetivo fornecer gás natural a termoelétricas para abastecer Rondônia e Acre.

O tempo de vida útil deste gasoduto é de 20 anos. O seu processo de licenciamento ambiental foi criticado durante as audiências públicas (realizadas em cidades que serão afetadas pelo projeto) por pesquisadores, ambientalistas e organizações da sociedade civil. Uma das reclamações é que o estudo de impacto ambiental (EIA/Rima) não apresenta alternativas à implantação do gasoduto, necessárias a uma obra dessa magnitude. Alguns ambientalistas sugerem, por exemplo, a construção de um ramal no gasoduto Bolívia-Brasil ao invés do Urucu – Porto Velho.

Ao todo, terá 522,2 quilômetros, abrindo uma clareira de 20 metros de largura que percorrerá os municípios de Coari, Tapauá e Canutama, no Amazonas, até atingir Porto Velho, e atravessando os rios Madeira, Açuã, Purus, Coari e Itanhauã, além do igarapé Trufari e do furo Curá-Curá. Em quase todo o percurso, ficará enterrado a uma profundidade mínima de um metro. Outras críticas recaem sobre o risco de contaminação da água e do solo, a alteração da vida das populações indígenas e ribeirinhas, a exploração desenfreada e o desmatamento que o projeto pode trazer.

O relatório não afasta a possibilidade do aumento das doenças sexualmente transmissíveis, da prostituição e do índice de violência – que ele próprio considera hoje “bastante baixo na região”, além da transformação de moléstias endêmicas, como a malária e a leishmaniose, em epidemias.

As recomendações do Rima para reduzir os impactos nem sempre se mostram suficientes. Uma delas é a contratação de trabalhadores apenas na sede dos municípios, para evitar que se utilize mão-de-obra dos ribeirinhos, causando êxodo rural. Mas, caso se repita o que aconteceu no município de Coari, um deslocamento de pessoas em busca de emprego no centro urbano ocorrerá de qualquer forma.

Coari é um dos municípios mais ricos do Amazonas devido aos royalties pagos por causa da prospecção de transporte de petróleo e gás natural. O problema é que a população da periferia da cidade e os ribeirinhos da zona rural continuam em situação de miséria, com falta de hospitais, escolas, saneamento básico, empregos uma vez que os lucros de Urucu nunca chegaram até eles.

O Rima do gasoduto Urucu-Porto Velho também informa que, terminadas as obras, a economia retornará aos níveis anteriores – depois de já ter provocado migração. Por isso, sugere um trabalho de “esclarecimento da temporalidade do projeto” às comunidades.

Quanto ao meio ambiente, a Petrobrás informa que “não correrá risco na operação do gasoduto. O que existe é a possibilidade de impactos ambientais durante a construção, para os quais estão previstas ações preventivas e compensatórias a ser definidas a partir da emissão, pelo Ibama, da licença prévia”.

Em carta enviada ao Ibama, Josué Sateré Maué, coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira, desabafou: “Nós, povos indígenas, nos grandes projetos (rodovias, hidrelétricas, linhão), sempre fomos considerados empecilhos ao desenvolvimento. O discurso de que somos poucos justifica qualquer empreendimento. Mesmo que atinja diretamente em torno de 4 mil pessoas, distribuídas em 57 aldeias, com dez etnias diferentes, além dos indígenas de pouco ou nenhum contato […] para o governo federal, os estados e a Petrobrás, o projeto vale a pena porque trará benefícios para milhões de ‘brancos’ que moram distantes de nossas terras e que não se importam com nosso sofrimento…”

Questionada no ano passado se o Ministério do Meio Ambiente iria solicitar que fosse encontrada uma outra alternativa à construção do gasoduto Urucu-Porto Velho, a ministra Marina Silva afirmou que o assunto está sendo rediscutido, envolvendo os vários órgãos do governo, inclusive o Ministério de Minas e Energia. “Uma discussão séria, bastante cuidadosa, considerando todos os aspectos. Busca-se o que é mais adequado do ponto de vista ambiental, social e econômico.”

O professor Aziz Ab’Sáber faz um alerta: “Com uma extensão dessa e com uma estrada de apoio, abre-se um caminho fantástico para os especuladores. Daí fazem ramais, sub-ramais, loteiam, vendem, começam a extração de madeira”. Há o exemplo da região sul-sudeste do Pará, hoje ocupada por fazendas de gado, e que vem perdendo boa parte de sua cobertura vegetal e enfrentando graves problemas sociais, como o trabalho escravo. “Seria o primeiro grande caminho de devastação da Amazônia ocidental.”

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