Evento em São Paulo disseca trabalho escravo

Votação da emenda constitucional que dispõe sobre o confisco da terra onde for encontrado trabalho escravo sofre adiamento. Especialistas reuniram-se em SP para compor o mosaico de características do trabalho escravo nos dias de hoje
Por Maurício Hashizume
 27/05/2004

Por mais que tenha ocorrido na Câmara dos Deputados, o novo adiamento da votação de proposta de combate ao trabalho escravo desvela as dimensões desse grave problema que persiste no país. Prevista para a pauta desta quarta-feira (26) no Plenário da Casa, a votação da emenda constitucional que determina o confisco de terras onde for constadada a exploração por trabalho escravo foi transferida para a próxima terça-feira (1o). A emenda conta com apoio de ministros do Governo Lula e de organizações da sociedade civil.

Justamente para intensificar o debate sobre a escravidão da atualidade, especialistas que atuam em diversos campos do conhecimento estiveram reunidos na capital paulista nesta quarta-feira (26), para compor um verdadeiro mosaico desse mal que assume novas formas neste início do século XXI.

Uma das medidas que encontrou eco em praticamente todos os convidados do evento, realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a organização não-governamental (ONG) Repórter Brasil, foi justamente a importância da aprovação da mudança constitucional que permite a expropriação de terras. Aprovada no Senado e na comissão especial da Câmara, a proposta de emenda constitucional (PEC) 438, de 2001, de autoria do ex-senador Ademir Andrade, precisa passar por dois turnos no pleno da Casa legislativa dos deputados federais para que possa ser promulgado pelos presidentes da Câmara e do Senado.

"Hoje, o trabalho escravo é mais perverso e mais sutil do que há 116 anos [quando foi assinada a Lei Áurea]", afirmou Patrícia Audi, da OIT. "Os escravos eram bens antigamente. O que ocorre é que nos dias atuais eles são descartáveis". Ela fez referência a um caso ocorrido recentemenete em uma região próxima a Belém-PA, para dar uma idéia da dificuldade de acesso aos locais onde os trabalhadores são mantidos: diligência do Ministério Público do Trabalho demorou oito horas, dentro de uma mesma fazenda, até chegar ao local onde o crime estava sendo praticado.

Na opinião da OIT, a impunidade é o principal fator a ser combatido para que o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado pelo governo federal em março do ano passado, possa avançar. Outra preocupação colocada por Patrícia recaiu sobre a falta de clareza da problemática que condicionar uma banalização do trabalho escravo. "É preciso identificar claramente os responsáveis por manter seres humanos nessas condições".

"Naturalização" da diferença
Para a procuradora Ela Wiecko de Castilho, do Ministério Público Federal (MPF), a adoção de medidas contra a impunidade dos infratores – como a própria PEC de confisco de terras em casos de trabalho escravo – podem não ser suficientes.

"O grande problema é a aceitação da desigualdade presente na sociedade. Inclusive pelo Poder Judiciário", apontou a procuradora. Existe, segundo a reprensentante do MPF, uma "naturalização" da diferença de categorias de pessoas que faz com que absurdos como o trabalho escravo continuem a ser largamente praticados.

*O repórter Maurício Hashizume viajou para São Paulo a convite dos organizadores do evento.

Da Agência Carta Maior

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