Acusado de escravidão trabalhou na Câmara

Osvaldo Brito Filho é gerente de fazenda do senador João Ribeiro, que o fez assessor ao ser eleito deputado em 95
Por Elvira Lobato/Folha de S. Paulo
 20/06/2004

Osvaldo Brito Filho, gerente da fazenda Ouro Verde, denunciado com o senador João Ribeiro (PFL-TO) por aliciamento e redução de trabalhadores rurais à condição análoga à de escravos, no sul do Pará, foi contratado da Câmara dos Deputados por oito anos.

Em janeiro de 1995, quando João Ribeiro assumiu seu primeiro mandato como deputado federal, Brito Filho foi admitido pela Câmara como assessor parlamentar no Estado do Tocantins.
Segundo informação da Câmara, ele teve vários níveis salariais nos oito anos em que foi assessor parlamentar de João Ribeiro. O auge foi em 2000, quando recebeu entre R$ 4.000 e R$ 7.000 por mês.

Após ser exonerado da Câmara, foi imediatamente admitido como assessor especial da Secretaria de Governo do Estado do Tocantins, onde permaneceu até fevereiro, quando estourou o escândalo sobre a suposta exploração de mão-de-obra na propriedade rural do senador.

Documento obtido pela Folha mostra que Brito Filho foi registrado como funcionário da fazenda Ouro Verde em janeiro deste ano e que, dois meses depois, foi registrado seu desligamento.
A fazenda fica no município de Piçarra (PA), a cerca de 430 quilômetros de Palmas. Segundo o governo do Tocantins, Brito Filho pediu demissão.
O Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho esteve na fazenda Ouro Verde, em fevereiro, e encontrou 38 pessoas trabalhando na propriedade sem carteira assinada, das quais 35 estariam submetidas a condições similares à de escravos (servidão por dívida, impossibilidade de ir e vir, má condição dos alojamentos etc) e foram retiradas.

Nos depoimentos dados aos ficais, os trabalhadores disseram que foram contratados por Osvaldo Brito Filho, em Araguaína (TO), e levados por ele até a área.

Os trabalhadores, por determinação dos fiscais, tiveram a contratação registrada em carteira, em seguida, houve a rescisão dos contratos e o pagamento dos direitos trabalhistas.

Brito Filho e o senador João Ribeiro respondem a processo administrativo no Ministério do Trabalho. Na última quarta-feira, os dois foram denunciados pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, por, supostamente, aliciar, frustrar os direitos dos trabalhadores rurais e reduzi-los ""à condição análoga à de escravos, mantendo-os em condições subumanas de vida".
Por ser senador, Ribeiro tem direito a foro privilegiado, e o processo vai correr no STF (Supremo Tribunal Federal).

Foi o senador João Ribeiro que pediu a contratação de Brito Filho, tanto na Câmara quanto no governo do Tocantins. Em outubro de 2002, já eleito senador, ele ficou 14 dias como secretário de Governo do Tocantins. A contratação de Brito Filho como assessor especial (DAS-7) da Secretaria de Governo foi publicada no "Diário Oficial" do Estado em março de 2003, mas começou a receber salário (de R$ R$ 2.700 mensais) a partir de fevereiro.

O senador João Ribeiro confirmou que Brito filho foi seu assessor parlamentar durante os mandatos como deputado federal, mas negou que seja gerente da Fazenda Ouro Verde.

O governo do Tocantins afirmou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que não se manifestaria sobre o episódio.

Senador afirma que relatório de fiscais é de má-fé

O gerente da fazenda Ouro Verde, Oswaldo Brito Filho, não foi localizado pela reportagem até a última sexta-feira.

Na defesa enviada à Procuradoria Geral da República, o senador João Ribeiro (PFL-TO) qualificou de ""bravata sensacionalista" e de ""má-fé" o relatório dos fiscais do Ministério do Trabalho que apontou a existência de condição análoga à do trabalho escravo na fazenda Ouro Verde.

A defesa de João Ribeiro admite que os trabalhadores estavam alojados em condições precárias (barracos com teto de palha, sem parede, sem piso, sem luz nem instalações sanitárias), mas diz que essa é a realidade de muitas famílias do Pará e de outros Estados pobres.

O documento da defesa cita dados do IBGE sobre o município de Piçarra (sede da fazenda), segundo os quais 43,5% dos domicílios da região não têm banheiros ou sanitários.

Segundo a defesa, 12 dos 35 trabalhadores que tiveram a contração e a rescisão registradas na carteira trabalharam apenas sete dias e receberam R$ 1.631 cada um, entre aviso prévio, multa rescisória e seguro-desemprego.
A defesa contesta a acusação dos fiscais de que os trabalhadores estariam impossibilitados de deixar a fazenda e endividados com o armazém da propriedade, configurando ""servidão por dívida", um dos pressupostos principais da condição análoga à de escravo.

Ela também contesta a parte do relatório sobre a carga de trabalho excessiva, alegando que a fazenda foi autuada pelos mesmos fiscais por não manter um sistema de controle de horários trabalhados.

"Não havendo nenhum controle dos horários (…) não se pode afirmar (…) ter havido jornada excessiva", alega a defesa do senador pefelista.
Os fiscais do Ministério do Trabalho se basearam em depoimentos de trabalhadores que não tinham descanso semanal remunerado.

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