Silêncio no Tribunal

Processo contra o presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro pela utilização de trabalho escravo foi transferido para a Justiça Comum e corre em sigilo
Por Redação Repórter Brasil
 15/07/2004

O Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro determinou que a Justiça Federal não é competente para julgar o caso em que o presidente da Assembléia Legislativa do estado, Jorge Sayed Picciani, é processado por reduzir trabalhadores à condição de escravos na fazenda Agrovás, em São Félix do Araguaia (MT). A maioria votou pela transferência do caso ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que será responsável por uma decisão.

O Tribunal também decretou que o processo seguiria em Segredo de Justiça, ou seja, em sigilo. A justificativa é a de que “a denúncia envolve, em tese, a violação ao direito de menor trabalhador”. Juristas ouvidos pela reportagem acreditam que não seria necessária essa posição do Tribunal, fazendo apenas uma recomendação para que a integridade da vítima fosse garantida. O julgamento do caso no TRF 2a Região ocorreu em 19 de dezembro de 2003 e o resultado foi publicado no Diário da Justiça da União no dia 02 de abril deste ano.

Organizações de defesa de direitos humanos e mesmo membros da administração pública que não quiseram se identificar temem que o trâmite do processo na esfera estadual possa afetar a decisão. “O prognóstico é pela rejeição da denúncia contra o presidente da Assembléia”, afirmou um jurista.

Em junho de 2003, uma ação de um grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou 39 pessoas da fazenda. De acordo com a coordenadora da equipe de fiscalização, Marinalva Cardoso Dantas, apesar de a fazenda ser de criação de gado, os trabalhadores não tinham acesso à carne e estavam caçando animais silvestres, como onças, para se alimentar.

Um adolescente de 17 anos foi libertado. O MTE também encontrou uma criança pequena, de seis anos, com os pais no meio dos outros trabalhadores. “Para os filhos dos funcionários da fazenda havia escola, professora contratada. Mas, para o filho dos peões, não tinha nada. Ele era tratado como um bichinho mesmo. Não podia nem brincar com outras crianças porque os peões estavam proibidos de sair da mata onde trabalhavam e ir até perto da sede da fazenda”, conta Marinalva.

Os peões estavam submetidos à vigilância armada de “gatos” [contratadores de mão-de-obra que trabalham para os fazendeiros] para evitar fugas de trabalhadores – foram apreendidas armas de grosso calibre. Pessoas lavavam roupa, tomavam banho e bebiam da mesma água.

7 a 5

O Tribunal Federal aceitou a argumentação da defesa do presidente da Assembléia Legislativa. Umas das alegações afirma que não houve crime contra a organização do trabalho. Sustentou-se que a acusação não apresentou provas de ligação entre Picciani e a escravização dos trabalhadores. Na época da libertação dos trabalhadores, o deputado culpou dois empreiteiros, supostamente contratados para levantar cercas, pelo crime e negou ter conhecimento da situação. Porém, o gerente da fazenda afirmou que ele visitava a propriedade freqüentemente, inclusive realizando sobrevôos na área.

O resultado do julgamento da competência foi de sete votos de desembargadores a favor da transferência do processo para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e cinco a favor da competência federal – sendo dois pela competência do TRF 2a região e três pelo TRF 1a região, responsável pelo Estado do Mato Grosso – onde fica a fazenda.

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