Governo antecipa comissões de combate a trabalho infantil

A polêmica gerada pela extinção dos Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil pelo governo levou o executivo a antecipar o anúncio uma instância alternativa que, através de duas coordenações exclusivas, atuará nos moldes dos Grupos Móveis de combate ao trabalho escravo
Por Bia Barbosa
 17/11/2004

Em outubro, uma portaria publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) gerou divergências entre o governo e as entidades defensoras dos direitos da criança e do adolescente. Para se adequar à nova legislação que regulamenta a carreira dos fiscais do trabalho, os Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e de Proteção do Trabalhador Adolescente (Gectipas), que se dedicavam exclusivamente a essa questão dentro das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), foram extintos. As ações de combate à prática passaram a ser responsabilidade de todos os fiscais. A medida causou polêmica por acabar desprivilegiando a luta contra um problema sério, que atinge atualmente mais de três milhões de meninos e meninas no país, segundo Armand Pereira, diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.

Na semana passada, no entanto, veio do governo uma resposta à angústia que atingia dezenas de organizações que lutam pela implementação e consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em território brasileiro. Numa reunião da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), que engloba representantes do poder público e da sociedade civil, a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE anunciou a criação de duas coordenações exclusivas para o combate ao trabalho infantil dentro da SIT, através da atuação dos Grupos Móveis, nos moldes como também funciona hoje o combate ao trabalho escravo.

“Era um projeto que já estava sendo construído dentro do ministério e que seria anunciado no início de 2005. Mas acabamos antecipando o anúncio, com a autorização do ministro, para não fomentar o mal entendido que estava ocorrendo. Parecia que estávamos despretigiando um trabalho e não se trata disso”, explicou à Agência Carta Maior a secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilella.

Foi na primeira gestão de Ruth na secretaria que os Gectipas foram criados. Na época, o combate ao trabalho infantil era feito por núcleos especializados; o objetivo foi criar mecanismos mais eficazes de fiscalização, já que faltavam informações mais precisas sobre a prática no país. O trabalho começou com as carvoarias de Mato Grosso e, através da articulação, sensibilização e trabalho em rede em todo o país, trouxe resultados tão expressivos que gerou-se o embrião do hoje reconhecido Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Peti.

“Este formato nos ajudou muito a superar as dificuldade iniciais, a conhecer melhor questão. Foi um modelo que sustentou a questão do combate ao trabalho infantil ao longo de uma década. Foi um trabalho fantástico, que atingiu o objetivo que pretendia. Entretanto, ao fazermos um diagnóstico da fiscalização como um todo, levantamos os dados da atuação dos Gectipas. Somada a uma análise que a própria mídia vinha fazendo dos programas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social, verificamos que o salto de qualidade que o governo Lula teria que dar não poderia depender de um grupo numa delegacia regional do trabalho. Teríamos que partir para uma sustentação interna, ampliar a fiscalização do trabalho infantil e a regularidade dos programas, para atingir uma eficácia maior”, esclarece Ruth.

Daí a nova metodologia que será aplicada pelo governo a partir do ano que vem. A fiscalização rotineira nas DRTs continuará, mas, centralizada em Brasília, a ação dos grupos móveis especiais – que atuarão tanto no campo quanto na cidade e fiscalizarão também o trabalho infantil informal – deve dar cobertura às regiões mais problemáticas, como o norte e o nordeste, onde normalmente o número de fiscais disponíveis para atuação em campo é menor. Segundo a SIT, dos 2920 fiscais do trabalho existentes no país, mais de 800 atuam em atividades internas.

A partir de agora, a fiscalização do trabalho infantil deve ganhar também uma certa homogeneidade, ao contrário do que acontecia com os Gectipas, que eram heterogêneos em formação e atuação. O ministério faz questão de reforçar que as características regionais e locais serão respeitadas, mas o combate coordenado deve possibilitar o país a ter dados mais confiáveis sobre o tema. De quebra, garante-se que a fiscalização deste crime não esteja sujeita a pressões políticas locais, que durante muito tempo dificultaram o trabalho das delegacias regionais do trabalho.

“Quando criamos os Gectipas, as autoridades regionais não eram comprometidas com as questões sociais. Agora, a maior parte dos nossos delegados são oriundos dos movimentos sociais. Não temos o mesmo grau de preocupação que tínhamos antes; a centralização agora tem outra razão. Mas, sem dúvida, isso ajuda na questão das pressões políticas”, acredita Ruth Vilella.

Capilaridade
Outra preocupação das organizações da sociedade civil que lidam com o combate ao trabalho infantil é garantir a continuidade das outras ações que estavam sob a responsabilidade dos Gectipas para além da fiscalização. Entre elas, acompanhar, avaliar e supervisionar a execução das ações do Peti, prestar informações, esclarecimentos e fornecer subsídios aos interessados em obter dados sobre a realidade de trabalho da criança e do adolescente e sobre a legislação a eles destinada, encaminhar as organizações governamentais e não governamentais relatórios de ações fiscais que necessitem de providências de suas respectivas competências.

Esses grupos especiais tinham também um papel formador, pois capacitavam diferentes instituições para auxiliar no combate ao trabalho infantil, participavam de palestras e desenvolviam atividades educativas. Faziam ainda um trabalho de negociação e articulação de diversas entidades como Ministério Público, conselhos tutelares e de direito, sindicatos e ONGs, com os quais formavam frentes de combate à exploração da criança e do adolescente.

Este trabalho, promete o MTE, não será interrompido. A partir do ano que vem, entram em funcionamento os chamados Núcleos de Temas Sociais, que trabalharão não apenas com a questão do trabalho infantil, mas também do trabalho escravo e da discriminação por gênero, entre outros assuntos, e que contarão com a participação de fiscais do trabalho que antes atuavam nos Gectipas. Além disso, os núcleos funcionarão em permanente contato com a sociedade civil local, que será responsável por subsidiar a ação do governo na região.

“Vamos trocar informações para que juntos façamos o novo mapa do trabalho infantil no Brasil. Daí a import&acirc
;ncia da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil se organizar e costurar toda a rede social que já existe ao redor deste problema. A malha está bem ampla; só precisamos tirar os furos. A ação dos grupos móveis certamente vai ajudar nisso”, garante Marinalva Cardoso Dantas, chefe da Divisão de Articulação para o Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente.

“Não vai ser um trabalho isolado. O grupo móvel não vai sair de Brasília e cair como um foguete. Já há uma sociedade organizada e sensibilizada em cada local. Vamos trabalhar com ela. Do contrário, como vamos resolver este problema, para onde vamos mandar os meninos que encontrarmos nesta condição? Ao contrário do que acontece no combate ao trabalho escravo, o retorno geográfico não existe. As crianças vão continuar no mesmo foco do problema. Se a sociedade local não atuar, não temos como resolver isso”, lembra. De janeiro de 2003 a setembro de 2004, mais de 15 mil crianças e adolescentes com menos de 16 anos foram encontrados trabalhando pela fiscalização do trabalho. De 1992 a 2002, o Brasil apresentou uma redução de 40% no número de meninos e meninas nesta situação, mas o desafio ainda é gigantesco.

O primeiro trimestre de 2005 funcionará como piloto dos novos grupos móveis, que funcionarão em princípio com doze pessoas (seis cada um). A proposta da SIT é que eles sejam ampliados na seqüência, após a secretaria ter uma dimensão correta do que é necessário para dar conta desta difícil tarefa. Até lá, será feito um treinamento com os fiscais do trabalho, já que a abordagem de meninos e meninas encontrados nesta condição é mais complexa do que, por exemplo, quando se trata de trabalhadores escravos. No dia 15 de dezembro, acontece a próxima reunião da Conaeti, onde será desenhado um plano de trabalho para os grupos móveis em 2005. Para esta reunião, a Secretaria de Inspeção do Trabalho já solicitou às DRTs relatórios das ações dos Gectipas em 2003 e 2004.

“Estamos muito confiantes neste trabalho que vamos começar. Acreditamos que vai dar certo, porque a estratégia dos grupos móveis já se mostrou eficaz. Além disso, as pessoas que vão trabalhar nesses grupos estão ligadas à área há tempos. Não são leigos. Quem vai para a linha de frente nesta ação são homens e mulheres apaixonados pela causa, que vestem mesmo a camisa. Só isso já nos dá um ânimo muito grande. Nós nos acostumamos com a imagem da criança trabalhando. É preciso dar outra sacudida nesta imagem para as pessoas verem como este problema é grave”, conclui Marinalva.

Da Agência Carta Maior

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