CPT culpa agronegócio por onda de violência no Pará

Para Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, a decisão do governo federal de enviar 2 mil soldados à região é paliativa. Origem dos problemas é a estrutura produtiva excludente, que beneficia grupos de fazendeiros, madeireiros e sojicultores
Por Agência Carta Maior
 17/02/2005

O recente assassinato da missionária norte-americana, naturalizada brasileira, Dorothy Stang, escancara as causas de tanta violência no Estado do Pará: o histórico e excludente sistema fundiário do país, caracterizado pela alta concentração de terra, renda e poder. O diagnóstico é de organizações da sociedade civil envolvidas com as lutas sociais na região. Como forma de contrapor esse modelo e construir uma sociedade mais justa, elas cobram do governo federal a realização de uma ampla reforma na estrutura agrária do país – que foi, aliás, um dos compromissos de campanha do presidente Lula.

Em uma entrevista coletiva à imprensa, quarta-feira (16), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), juntamente com outras organizações e movimentos sociais da área de direitos humanos do Pará, divulgaram dados parciais do ano de 2004, quando foram registradas 40 ameaças de morte no Estado. Entre os ameaçados estão trabalhadores rurais, agentes pastorais, posseiros, trabalhadores rurais sem-terra e dirigentes sindicais. Além de apresentar um assustador diagnóstico da violência que assola a região, as organizações também denunciam que a execução dos crimes no Pará é resultado de uma ação organizada, e muito bem estruturada, contra os pequenos proprietários e posseiros de terra.

Atrás da máscara do ‘progresso’
“Esses assassinatos não são motivados por intrigas pessoais. Eles estão ligados à problemática da terra. Onde, além da ocorrência de intimidação, também ocorre execução. A morte de Dorothy é reveladora do universo da região do Pará. A ocupação fundiária desordenada é proposital e ela é feita pelos fazendeiros, madeireiros e agora também pelos plantadores de soja”, afirma Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT.

Segundo ele, há muita pressão para que sejam abertas mais áreas de floresta nas terras devolutas para a extração madeireira e produção agropecuária. Fechamento de estradas e ameaças de morte são exemplos de atitudes comuns, citadas por Dom Tomás, que evidenciam o desrespeito dos latifundiários da região às normas civis. “O agronegócio é violento. Os grandes produtores têm o projeto deles, que prioriza o lucro e o capital. E estão ligados ao poder do Estado do Pará. São eles que financiam as campanhas políticas para governador e deputados. Eles saem e entram no palácio do governo com toda a tranqüilidade. Há também a conivência da polícia corrupta e do judiciário, que não estão dispostos a superar a impunidade e que colaboram pela sua inércia. Portanto, trata-se de um crime organizado que tem a dominação fundiária como motivo econômico”, define.

Terra da injustiça
A impunidade é evidenciada pelos fatos e números. De 1985 a 2004, foram registradas pela CPT 1379 mortes em conflitos agrários no país. Desses, 523 assassinatos ocorreram no Pará, ou seja, 38% do ocorrido em todo o território nacional. Somente 10 casos foram a julgamento, o que corresponde ao ínfimo percentual de 1,91% dos assassinatos registrados no Estado, no período. E desses, apenas cinco mandantes e oito executores foram condenados.

O massacre ocorrido em Eldorado de Carajás em 1996, em que 19 trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados pela polícia, é outro exemplo vivo da impunidade característica do Estado. Dos 154 levados ao banco dos réus, apenas dois comandantes da tropa foram condenados.

A gravidade do alto número de casos de reintegração de posse contra os lavradores sobre áreas com titularidade, muitas vezes duvidosa, foi ressaltada por Dom Tomás. Segundo dados divulgados pela CPT, 35.292 famílias foram despejadas de suas terras em 2003, e dados parciais indicam o despejo de outras 34.850 famílias camponesas no ano passado. Esses números evidenciam um intenso processo de contra-reforma agrária no Estado. “Muitas dessas famílias já estavam lá há muitos anos. E, por uma decisão judicial, vem a tropa de choque, vem a destruição dos barracos, da lavoura, dessa gente que abastecia todas as feiras ali, naquele entorno. De repente, essa gente vai pra favela, pra miséria, vai pra fome”, declara ele.

Em manifesto divulgado à imprensa, o FNRA declara que o atual modelo de desenvolvimento agropecuário é excludente e predatório. “Protegidos sob o discurso de ‘setor produtivo’ e ‘responsável’ pelo equilíbrio da balança comercial, estas forças não somente bloqueiam estradas para chantagear o governo federal, mas são verdadeiros agrobandidos que corporificam as injustiças e a violência do modelo de ‘desenvolvimento’ que se alimenta da prática do trabalho escravo, da exploração ilegal e predatória dos recursos ambientais e da grilagem de terras públicas, se articulando nacionalmente através da União Democrática Ruralista, da Confederação Nacional da Indústria e da bancada ruralista do Congresso”, afirma trecho do manifesto entitulado “Agrobanditismo faz mais uma vítima”.

Solução definitiva
Como contraponto a esse modelo, as duas organizações, CPT e FNRA, demandam uma sociedade agrária que priorize a inclusão social, baseada na sustentabilidade ambiental. A realização de uma ampla e massiva reforma agrária e a ampliação e o fortalecimento da agricultura familiar são defendidas como o caminho político para essa sociedade e também para garantir o direito fundamental ao trabalho para a população rural.

Segundo o secretário-executivo do FNRA, Gilberto Porto, o governo federal precisa instituir a ordem na região através de dois mecanismos principais: a recuperação das terras públicas e, caso não tenha força política para efetuá-las, o uso do recurso da desapropriação. “Desse modo, a terra será do povo trabalhador. E não mais destinada ao agronegócio, que invadiu a região, destruiu comunidades e é a causa de tantas mortes e conflitos. A reforma agrária é a solução definitiva para esses conflitos tanto no Pará, como em todo o país”, afirma Porto.

Além da exigência da reforma na estrutura agrária, CPT e FNRA, demandam:

1 – o cumprimento do artigo 51 das Disposições Constitucionais Transitórias, que determina a revisão das doações, vendas e concessões de terras públicas no país e a classificação dos imóveis da região (geo-referenciamento), com o objetivo de garantir a discriminação e arrecadação de terras griladas e de todas as terras públicas, e a destinação dessas a
o programa federal de reforma agrária;

2 – intervenção federal no Pará, justificada pelas omissões do governo do estado frente às reiteradas violações de direitos humanos, que ferem o pacto federativo;

3 – ação interministerial (entre ministérios do Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente, Justiça, Integração Nacional, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Defesa) para atuar nas diversas faces do problema agrário e ambiental do estado do Pará; ampliação de recursos e efetivo policial para aumentar a fiscalização ambiental e a violação de direitos humanos;

4 – rompimento imediato de acordos do governo federal com os madeireiros da região e suspensão dos planos irregulares de manejo florestal;

5 – ampliação dos recursos para o combate do trabalho escravo e imediata colocação em pauta da Proposta de Emenda Constitucional 438, de 2001, que altera o artigo da Constituição Federal e prevê o confisco das terras onde se explora o trabalho escravo;

6 – adoção de medidas urgentes para proteção dos ameaçados de morte no Pará;

7 – e a punição dos responsáveis diretos e indiretos pelo assassinato de irmã Dorothy, inclusive das autoridades que se omitiram de tomar providências contra as ameaças que ela vinha sofrendo; além da federalização do caso.

Segundo Dom Tomás Balduíno, a decisão do governo federal de enviar dois mil soldados para a região é paliativa. “Não gostaria que a questão agrária, sobretudo a social, fosse resolvida na base militar ou policial. Foi assim que os militares da ditadura tentaram resolver. Eu não sou contra a ida do exército para o Pará, mas eles não poderão ficar lá para sempre e quando eles saírem, a situação volta ao mesmo pé em que está. Por isso é necessário ir à raiz da ferida”, finaliza ele.

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