O Supremo Tribunal Federal começou a julgar nesta quinta-feira (3) se a Justiça Federal pode processar e julgar casos de trabalho escravo. A decisão é de grande importância, pois definirá de quem é a competência para tratar desse crime.
Seis membros do STF já haviam votado – quatro a favor (o relator, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence) e dois contra (Cezar Peluso e Carlos Velloso) quando o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo. A avaliação de juízes federais ouvidos por esta reportagem é que a competência Federal deve ser aprovada por, pelo menos, sete votos. O Supremo Tribunal conta com 11 ministros. Após um pedido de vistas, não há um prazo para que o julgamento seja retomado.
Em 1992, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou os fazendeiros Silvio Caetano de Almeida e Raimundo Semeão Filho por trabalho análogo ao escravo (artigo 149 do Código Penal) e frustrar mediante fraude ou violência um direito trabalhista (artigo 203) em propriedade no Pará. Inicialmente, os réus foram condenados a quatro anos pela primeira denúncia e absolvidos da segunda. Quando os réus apelaram, o próprio Tribunal Regional Federal da 1ª Região declarou a incompetência da Justiça Federal para o caso, anulando o processo.
O MPF saiu em defesa do processo, sustentando que a Justiça Federal é competente para processar e julgar crimes contra a organização do trabalho e contra a coletividade de trabalhadores – o que está previsto no artigo 109 da Constituição Federal. Isso incluiria os casos de escravidão contemporânea. O Procurador-geral da República opinou favoravelmente pelo provimento dessa defesa e ela foi encaminhada ao STF.
O que está tramitando no Supremo é exatamente o recurso extraordinário (RE-398041) do MPF que questiona a decisão do TRF.
O resultado desse julgamento irá gerar uma nova jurisprudência, sinalizando como devem ser julgados os demais casos semelhantes em todo o país. Em outras palavras, a mais alta corte estará dizendo que a Justiça Federal é competente para julgar trabalho escravo, em detrimento às Justiças Estaduais.
“O SFT vai dar uma definição que acabará com a insegurança de quem é o juiz natural para esses casos. Hoje, escravagistas aproveitam-se da indefinição e, quando o caso está na Justiça Estadual, dizem que ele deveria ser tratado na Federal e vice-versa”, afirmou o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Jorge Antonio Maurique.
Antiga indefinição
Duas esferas judiciais, a estadual e a federal, defendem que o julgamento dos crimes contra o trabalho escravo deva ficar sob sua responsabilidade. A indefinição é antiga e tem sido um dos principais fatores que atrapalham o combate à impunidade, a ponto de haver juristas que pedem uma definição urgente, para qualquer um dos lados. Se todos reivindicam a competência para o crime, na prática, ninguém a tem. O alongamento da discussão de competência interessa a muitas pessoas, pois através dela empurra-se os processos: “Então, quando chegar ao fim, em qualquer que seja o lugar, ou com o juiz estadual ou com o juiz federal, aplica-se a prescrição pela pena mínima, que provavelmente é a que vai ser dada”, lembra um atuante juiz federal no combate ao trabalho escravo.
A reforma do poder Judiciário, aprovada pelo Congresso Nacional em 2004, inclui o instrumento da federalização dos crimes contra os direitos humanos, desde que, reconhecidamente, a esfera estadual não tenha conseguido dar respostas satisfatórias ao problema. Ou seja, não significa que todos os casos serão enviados para esfera federal, mas que cada caso vai ser analisado separadamente. Além disso, apenas o procurador-geral da República pode solicitar ao Superior Tribunal de Justiça a transferência do caso. Portanto, há um longo caminho de trâmites burocráticos a se percorrer se for utilizado esse instrumento da federalização. Por isso, a melhor solução para acelerar os julgamentos de trabalho escravo continua sendo a definição da competência.
Entidades de defesa dos direitos humanos da sociedade civil pedem que a competência fique com a Justiça Federal. Isso não significa que não há juízes federais que tomam decisões favoráveis aos fazendeiros escravocratas ou que a Justiça Estadual seja totalmente corrupta. Porém, a experiência dessas entidades tem mostrado que, pelo menos nas regiões de expansão agrícola, onde a incidência de trabalho escravo é maior, os juízes estaduais têm sido mais suscetíveis às pressões políticas e econômicas locais do que os seus pares federais.
Em nota oficial divulgada há pouco, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil afirmou que a associação “está confiante que os demais ministros da Suprema Corte seguirão o entendimento favorável à competência da Justiça Federal que começou a se delinear hoje”.
Com informações do Supremo Tribunal Federal