O Fórum de Combate ao Trabalho Escravo em Mato Grosso vem a público manifestar sua preocupação e denunciar à sociedade mato-grossense a situação de abandono em que se encontra o Estado em relação à fiscalização do trabalho escravo. Tal situação, também verificada em outros estados do país, ao mascarar uma realidade que continua brutal, torna possível a farta e enganosa propaganda de que se utiliza o latifúndio mato-grossense, na sua nova roupagem de agronegócio, ao apontar para um idílico desenvolvimento sócio-econômico do Estado. Impede também a população de se mobilizar para erradicar uma vergonha já denunciada nacional e internacionalmente.
Há anos, que o Mato Grosso lidera junto com o Pará o ranking do trabalho escravo no país, segundo resultados das fiscalizações realizadas pelo Grupo Móvel, força-tarefa especial criada em 1995 e integrada por agentes especializados do MTE, do MPT e da Polícia Federal para esse tipo de fiscalização. No entanto, com a timidez das ações do Grupo Móvel nos últimos tempos e a frequente demora no seu atendimento às denúncias apresentadas, apenas 30% dos casos denunciados chegam a ser fiscalizados, deixando centenas de trabalhadores no cativeiro da dívida, da ganância, da miséria.
No período da ‘carpa’ do algodão, segundo estimativas, são empregados em torno de 10.000 homens, em trabalho braçal. O mesmo acontece no período de catação de raízes para plantio de soja, e no que antecede as queimadas. Uma fiscalização concentrada nestes momentos de pico traria à luz números expressivos da desumanização do trabalho em Mato Grosso. No Estado campeão brasileiro do desmatamento, é notório que grande parte das derrubadas é feita mediante o uso de mão-de-obra escrava, aliciada em remotos estados (Maranhão, Alagoas, Piauí,…). Ao deixar de efetuar ações de fiscalização planejada e freqüente no interior do Estado, cria-se a falsa idéia de um trabalho limpo, coerente com a propaganda oficial do governo estadual (emprego sim, escravo não!).
Além de contribuir em ocultar a realidade, a falta de empenho governamental no cumprimento da meta presidencial de erradicação do trabalho escravo no país garante condições propícias ao exercício da violência. Há vários exemplos: agente da CPT-MT, a Irmã Leonora, vive escondida por ameaças de morte motivadas pela sua atuação no combate ao trabalho escravo e na luta pela terra. Num dos casos denunciados pela CPT e fiscalizados em 2003, uma testemunha de crime de trabalho escravo na propriedade do fazendeiro conhecido por “Chapéu Preto”, o Sr. Nero Romeu, foi assassinado em circunstancias suspeitas até hoje não esclarecidas. Um AFT de Cuiabá, Valdiney Antônio de Arruda, também vem sendo alvo de repetidas ameaças.
Além do Nortão mato-grossense, a região do Baixo Araguaia é outro palco de fortes conflitos: distante aproximadamente mil quilômetros da Capital, foi historicamente explorada e aberta às custas da mão-de-obra escrava como já denunciado por Dom Pedro Casaldáliga, desde 1972. Da região da Grande Cáceres, fronteira com a Bolívia, também têm chegado notícias de práticas criminosas de violação aos direitos humanos no que tange às relações trabalhistas, nas lavouras canavieiras e no trabalho em fazendas. A região Sul, mais caracterizada pela intensa monocultura de exportação, também tem sido palco de utilização de mão-de-obra escrava. Ou seja: temos notícias de tais ocorrências de norte a sul do Estado.
Lançado no início de 2003, o Plano Nacional para a Erradicação ao Trabalho Escravo, previa a constituição de 12 equipes permanentes do Grupo Móvel, sendo duas dedicadas ao Mato Grosso. Isso até hoje não se efetivou. Como também, por falta de real empenho político por parte do Governo federal, não se efetivaram ainda medidas essenciais para a erradicação do trabalho escravo, tais como:
– aprovação da PEC do confisco das terras de escravistas, em trâmite há mais de 10 anos no Congresso;
– definição da competência federal para julgar os crimes de trabalho escravo;
– efetivação de sanções econômicas atacando na raíz a ganância dos “escravistas modernos”, vedando-lhes o acesso a financiamentos da rede pública como privada;
– reajuste das condições financeiras garantindo ao grupo móvel um trabalho correto e seguro (a questão das diárias, ainda não resolvida, paralisou a fiscalização por várias semanas este ano);
– fornecimento de condições materiais e humanas indispensáveis para as DRT contribuirem na fiscalização.
Menina dos olhos do projeto neo-liberal imposto ao pais, amparados no manto do superávit comercial, os produtores do agronegócio tornaram-se o alvo das atenções de um governo hoje a reboque de alianças incoerentes com o compromisso político por ele assumido de erradicar o trabalho escravo, onde quer que esteja. A omissão atual do governo soa como uma espécie de “trégua” concedida aos mais recentes aliados (entre eles o governador-plantador do MT). Neste contexto preocupa o discurso do vice-presidente da República, do presidente da Câmara afinado com o dos expoentes do agronegócio na negação da realidade do trabalho escravo, poucos meses depois do mesmo ter sido oficialmente reconhecido pelo Brasil perante a comunidade internacional (ONU). Vale lembrar que neste exato momento milhares de cartas vindo do mundo inteiro estão se amontoando no Palácio do Planalto cobrando efetivação dos compromissos .
Se o governo realmente tem como meta a “erradicação” desta mazela até o final do presente mandato, portanto daqui a dois anos, está na hora de mudar radicalmente a postura, no Mato Grosso e no país.
FÓRUM DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO EM MATO GROSSO