Relatório da CPT aponta 2004 como recordista em conflitos desde 1985

Relatório anual da Comissão Pastoral da Terra mostra 2004 como o ano com o maior número de conflitos no campo (ocupações de terra, assassinatos de trabalhadores, ameaças de morte etc.) dos últimos 20 anos. Mortes caíram, mas em média um a cada 29,4 habitantes de área rural envolveu-se em conflitos
Por Verena Glass
 19/04/2005

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou nesta terça-feira (19) seu 20o relatório anual sobre os conflitos no campo, apresentando dados preocupantes: desde 1985, quando iniciou o trabalho de sistematização dos registros de casos de conflito envolvendo trabalhadores rurais (assassinatos, tentativas de assassinatos, mortos em conseqüência de ataques, ameaçados de morte, torturados, agredidos, presos, além de ocupações de terra e despejos forçados), 2004 bateu todos os recordes, com 1.801 conflitos envolvendo 1.083.232 pessoas.

“Em média, um a cada 29,4 habitantes de área rural esteve envolvido em conflitos rurais em 2004”, afirma o relatório, que também apresenta um perfil da violência no Pará, estado com o maior número de casos, uma avaliação da situação e do combate ao trabalho escravo no país.

Se, em números totais, os conflitos aumentaram em 2004, em alguns aspectos, no entanto, houve um recuo nas estatísticas. Comparativamente, os casos de trabalho escravo diminuíram em relação a 2003. E, apesar de ter sido marcado por dois casos brutais de violência que saltaram às páginas dos jornais nacionais e internacionais – o assassinato de fiscais do trabalho escravo em Unaí e a chacina de cinco sem-terra em Felisburgo (MG) – os casos de assassinatos no ano passado também tiveram uma queda de 46,6% em relação a 2003, quando se registrou 73 mortes.

Das 39 pessoas assassinadas em 2004, segundo a CPT 10 eram trabalhadores sem-terra, quatro, funcionários públicos (caso Unaí), oito, assentados, cinco, trabalhadores rurais, oito, lideranças comunitárias e sindicalistas, dois, posseiros, um era agente pastoral e um, indígena.

No levantamento sobre violência contra a pessoa física, a CPT registrou, além dos 39 assassinatos, 99 tentativas de assassinatos (que atingiram sem-terras, assentados, lideranças, posseiros, pescadores, indígenas, agentes pastorais e membros de ONGs, entre outros), 31 mortos em conseqüência de ataques, 284 ameaçados de morte, 58 casos de tortura, 30 casos de agressão, 335 feridos e 421 presos em função dos conflitos.

Quanto aos dados referentes a disputas de terra, a CPT aponta 1.398 ocorrências, com 3.063 famílias expulsas, 37.220 despejadas, 22.762 ameaçadas de despejo e 26.579 ameaçadas de expulsão. Além disso, 4.276 famílias tiveram suas casas destruídas, 3.071, as suas roças e 3226, os seus bens; e 23.132 famílias foram vítimas de pistolagem.

Causas
Segundo o advogado José Batista Afonso, coordenador nacional da CPT em Marabá, PA, grande parta da culpa pelo aumento da violência no campo recai sobre o governo e a lentidão com que vem implementando o Plano Nacional de Reforma Agrária.

“Por um lado, a expectativa criada com a eleição de Lula mobilizou um contingente considerável de agricultores sem-terra, que acabam adotando métodos de pressão, como ocupações, em função do atraso na criação dos assentamentos prometidos. Poucos assentamentos atenderam os acampados das lonas pretas, é uma demanda que vai se represando e criando tensão com o latifúndio”, explica Batista.

Por outro lado, prossegue o advogado, a “paixão do governo pelo agronegócio abriu as portas para este setor. O avanço de grileiros, madeireiros e pecuaristas de outros estados sobre a região Norte atinge diretamente ribeirinhos, posseiros e indígenas, além de fomentar o trabalho escravo. Também é muito complicado quando o governo se compromete a adotar medidas restritivas em relação aos madeireiros, e depois recua em função das pressões (leia Fazendeiros e trabalhadores protestam no Pará). Na medida que o governo cede ou não cumpre promessas de repressão dos crimes contra os trabalhadores rurais, esses setores se sentem mais fortes”.

Cobranças
Uma das avaliações do relatório de 2004 é que a ação repressiva contra os movimentos sociais e lideranças comunitárias e sindicais rurais por parte do poder público, especificamente do Judiciário, tem aumentado em intensidade na gestão do governo Lula. Isto se reflete, segundo a CPT, no aumento de 10,8% no número de prisões, e de 5,5% no de famílias despejadas (37.220, o maior número desde que a CPT começou a fazer os registros). Segundo a entidade, uma família em cada 5.8 envolvidas em conflitos, recebeu ordem de despejo.

No final da tarde desta terça, o presidente da CPT, Dom Tomas Balduíno, acompanhado de várias lideranças sociais e religiosas ameaçadas de morte – como a Irmã Leonora Brunetto, agente da CPT região Norte de Mato Grosso, Padre Tiago Thorlby, agente da CPT Pernambuco, Jorge Rodrigues Pereira, sobrevivente da chacina de Felisburgo, Minas Gerais, Frei Xavier Jean Marie Plassat, agente da CPT Araguaia-Tocantins, coordenador da Campanha da CPT contra o Trabalho Escravo, e Maria Joel Dias da Costa, presidente do STR de Rondon do Pará, entre outros – se reúne com o ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, para cobrar providências contra a violência no campo (que, este ano, já vitimou 11 pessoas, com destaque para a Irmã Dorothy Stang, missionária da Pastoral).

Segundo Batista, a CPT quer discutir a situação dos ameaçados e as ações do governo, já que nem a segurança pessoal, que prevê o acompanhamento do ameaçado por um agente policial, nem a sua inclusão no Programa de Proteção à Testemunha, que prevê o afastamento da pessoa de seu local de residência, são adequados.

“Não somos contra a segurança ostensiva, mas não dá para ter um policial para cada ameaçado. Já o Programa de proteção à testemunha é inadequado por que é isso que os fazendeiros querem, que as lideranças saiam da região. Queremos uma segurança investigativa, para pegar quem ameaça, para atingir as causas da ameaça, não seus efeitos”, explica.

Segundo a CPT, os mecanismos para este trabalho de investigação já existem. Seriam as chamadas Delegacias de Conflitos Agrários, criadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para reprimir movimentos sociais e lideranças comunitárias. “Inúmeros lideres ainda responde a inqueritos abertos nestas delegacias. O que propomos é que sejam redirecionadas para um trabalho investigativo sobre as ameaças de morte, crimes de grilagem de terras, milícias privadas, etc”, diz Bastos.

Da Agência Carta Maior

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