Pacto nacional entre empresário quer quebrar elos de cadeia produtiva

60 empresas firmaram pacto para erradicar a mão-de-obra escrava no país e se comprometeram a cortar contratos com fornecedores que adquiram produtos vindos de fazendas que exploram trabalhadores. O presidente da Câmara (na foto, à esquerda) se comprometeu a aprovar a PEC que confisca terras onde houver escravos
Por Bia Barbosa
 20/05/2005

A pedido da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) encomendou à ONG Repórter Brasil – que integra a Conatrae (Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo) – uma pesquisa sobre a cadeia produtiva do trabalho escravo no Brasil. O objetivo do estudo era mapear as empresas envolvidas na comercialização de artigos produzidos em fazendas que empregassem mão-de-obra escrava, a partir das chamadas “listas sujas” publicadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. As listas trazem o nome de propriedades condenadas pela Justiça do Trabalho por manterem funcionários em condições análogas à da escravidão. Até hoje, a relação de fazendas foi atualizada duas vezes pelo governo. Ao todo, 165 propriedades constam da lista suja.

Partindo dessas propriedades, foi possível identificar as cadeias produtivas do trabalho escravo, ou seja, os estabelecimentos que, do início até a ponta do processo, comercializam soja, algodão, carne bovina, álcool, pimenta do reino e café produzidos com esse tipo de mão-de-obra. Numa tentativa de inviabilizar a ação dos que se aproveitam economicamente da violação dos direitos humanos dos trabalhadores, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, em parceria com as organizações responsáveis pela pesquisa, iniciou uma série de encontros com empresas desses setores para, juntos, buscarem soluções para a erradicação do trabalho escravo na economia brasileira. O resultado deste diálogo foi o lançamento, quinta-feira (19), em Brasília, do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

A iniciativa envolve compromissos na direção de dignificar, formalizar e modernizar as relações de trabalho nas cadeias produtivas em questão, e passa por compromissos como restrições contratuais e ações afirmativas. "Quando o trabalho escravo encontra resistência a que produtos fabricados com ele tenham escoamento no mercado ou quando empresas que o utilizam perdem o financiamento, inviabiliza-se a atividade que tenha este trabalho como base", explicou o presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew. Como os signatários do pacto têm como obrigação cortar os acordos comerciais com as pessoas que estão na cadeia produtiva, o acordo pode ser considerado um instrumento até mais poderoso no combate ao trabalho escravo do que a restrição de crédito aos fazendeiros da lista suja, implementada no ano passado. Afinal, é possível manter um negócio sem empréstimos, mas não sem clientes (leia matéria “Escravocratas com crédito suspenso conseguem liminares”).

As 60 empresas que já assinaram o documento se comprometeram, entre outros pontos, a:

– definir metas específicas para a regularização das relações de trabalho nestas cadeias produtivas, o que implica na formalização das relações de emprego pelos produtores e fornecedores, no cumprimento de todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias e em ações preventivas referentes à saúde e a segurança dos trabalhadores;
– definir restrições comerciais àquelas empresas e/ou pessoas identificadas na cadeia produtiva que se utilizem de condições degradantes de trabalho associadas a práticas que caracterizam escravidão;
– apoiar ações de reintegração social e produtiva dos trabalhadores que ainda se encontrem em relações de trabalho degradantes ou indignas, garantindo a eles oportunidades de superação da sua situação de exclusão social, em parceria com as diferentes esferas de governo e organizações sem fins lucrativos;
– apoiar ações de informação aos trabalhadores vulneráveis ao aliciamento de mão de obra escrava, assim como campanhas destinadas à sociedade de prevenção contra a escravidão;
– apoiar e debater propostas que subsidiem e demandem a implementação pelo Poder Público das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
– monitorar a implementação das ações descritas acima e o alcance das metas propostas, tornando públicos os resultados deste esforço conjunto.

Entre os signatários estão grupos de peso como Coteminas, Votorantim Papel e Celulose, Petrobras, Suzano, Belgo Mineira, Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar. Este último reconheceu sua inclusão no estudo como um dos receptores de produtos da cadeia produtiva do trabalho escravo e já incluiu uma cláusula de não-utilização pelos fornecedores de mão-de-obra escrava em seus contratos comerciais. "Foi passada uma comunicação a todos os seis mil fornecedores de produtos. Os frigoríficos foram chamados e estão desenvolvendo ações para tentar cercar esta cadeia produtiva. Os fornecedores assumiram um compromisso conosco de fazer um rastreamento", informou. Os bancos Real e do Brasil também aderiram. O BB vai cancelar R$ 100 milhões de empréstimos a 60 empresas que tiveram casos comprovados de trabalho escravo.

Informações sobre a cadeia produtiva serão passadas periodicamente às empresas, e o governo deve continuar atualizando a lista suja a cada seis meses. Além disso, os resultados da implementação das políticas e ações previstas no pacto serão monitorados anualmente pelas entidades proponentes do pacto. Entre os presentes ao lançamento do pacto, estava José Pupin, ex-presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão, que planta mais de 7500 hectares em Campo Verde (MT) e é um dos citados na lista suja do MTE.

Embate constitucional
As entidades que estão à frente do combate ao trabalho escravo no Brasil aproveitaram a mobilização criada em Brasília em torno do tema nesta quinta-feira para pedir o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), à aprovação da PEC 438. A Proposta de Emenda Constitucional, que está há dez anos tramitando no Congresso, permite a expropriação das terras onde seja constatada a prática de trabalho escravo. A PEC já foi aprovada no Senado e em primeira votação na Câmara. Cavalcanti garantiu ao ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, à procuradora geral do trabalho Sandra Lia Simon, e a integrantes da ong Humanos Direitos – entre eles a atriz Letícia Sabatella – que a proposta entrará na agenda tão logo a pauta de votação seja desobstruída. O apoio também foi pedido ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Nelson Jobim. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária moveu um processo alegando a inconstitucionalidade da "lista suja" do trabalho escravo. No final da tarde, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o movimento Humanos Direitos e integrantes da Conatrae – entre eles, Frei
Henri des Roziers, da Comissão Pastoral da Terra. Eles reivindicaram que o governo atue com mais firmeza no combate e prevenção ao trabalho escravo. Além da aprovação da PEC, pediram aumento no número de grupos móveis e cobraram soluções para questões agrárias que envolvem ameaças a trabalhadores no sul do Pará. Joelma Dutra, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, que teve o marido assassinado por pistoleiros e está ameaçada de morte, pediu que o presidente prendesse os pistoleiros foragidos. O mandado de prisão já foi expedido, mas a Polícia Federal ainda não conseguiu resultados. Num depoimento que emocionou o presidente, Dona Joelma disse que estava lá porque seu marido, em vida, disse que acreditava que Lula resolveria este problema. Ela leu um trecho da carta que seus dois filhos escreveram ao presidente: “Se lutar pelos nossa terra e pelos nossos direitos for pecado, então a gente vai continuar pecando”. A organização não governamental Repórter Brasil lembrou a relação entre agronegócio, latifúndio e o travamento de leis no Congresso que ajudariam no combate ao trabalho escravo. Lula prometeu providências em todos os casos. Da Agência Carta Maior. Com informações da Agência Brasil.

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