400 pessoas são resgatadas em fazenda de cana no MT

Ação da Delegacia Regional do Trabalho do Mato Grosso iniciada semana passada encontrou trabalhadores em condiçoes análogas à da escravidão na usina Alcopan, em Poconé. Promessa era de salário de R$1.200,00, mas há sete meses não havia pagamento
Por Leonardo Sakamoto
 16/06/2005

Pelo menos 400 pessoas foram resgatadas da usina Alcopan – Álcool do Pantanal Ltda, localizada em Poconé, a 100 quilômetros de Cuiabá, em ação da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) do Mato Grosso iniciada no dia 10 de junho. “Pelas características encontradas aqui, verificamos que se trata de uma condição análoga à de escravo, de acordo com a legislação”, afirmou o auditor fiscal da DRT Valdiney Antônio de Arruda.

Os trabalhadores estavam em atividades que iam do corte da cana até a organização do almoxarifado da usina. A maioria veio do Maranhão, Alagoas, Pernambuco e Piauí – estados com altas taxas de desemprego e baixos índices de desenvolvimento humano. Os gatos que atuavam na contratação de mão-de-obra ofereciam pelas rádios dos municípios dos aliciados um emprego com alimentação farta e boa moradia, assistência médica e equipamentos de proteção – tudo gratuitamente. Além de um salário que chegava a R$ 1.200,00.

“Sou de Joaquim Gomes, em Alagoas. Lá não tem emprego. Aí apareceu um gato com o nome de Severino Militão falando que eu ia receber R$ 1.200 por mês. Tava parado, vim pra cá”, relembra Petrúcio Pedro da Silva, 45 anos. Ele chegou há mais de dois meses e não recebeu nada. Só trabalho.

Na Alcopan, o atraso no salário chega a sete meses para algumas pessoas, sendo que muitos nunca tinham visto a cor do dinheiro. “Aqui eles não pagam salário. Cinco, seis, sete meses de salário. A empresa não quer negociar, de maneira nenhuma”, reclama Augusto Fontes da Costa, 38 anos, de Presidente Dutra (MA).

Os trabalhadores pagavam até R$ 280,00 pelo transporte do gato, que os deixava em uma comunidade próxima da usina. Muitos, vendo a situação que os esperava, nem queriam ficar, mas eram obrigados pelo contratador de mão-de-obra. Lá, a realidade era bem diferente do prometido. Não existia todo o equipamento de proteção necessário, muito menos assistência médica. Quem quisesse dormir sob um teto tinha que alugar quartos da usina. A comida era descontada do salário. De acordo com a DRT, em alguns quartos de 12 metros quadrados, 20 pessoas se amontoavam. Por fim, a cantina da usina vendia produtos com valores acima do mercado. Como ninguém tinha dinheiro, a dívida era anotada.

Segundo os trabalhadores, a cada safra sempre vinha uma nova turma, porque raramente alguém queria voltar por causa das péssimas condições.

Sem dinheiro
Os proprietários da usina afirmaram para a DRT e os trabalhadores que, no momento, não possuem recursos para quitar as dívidas e que isso só vai acontecer caso os trabalhadores voltem para o serviço, a cana seja moída e os primeiros caminhões de álcool saiam para vender o produto. O que começaria a acontecer em 20 dias. A Alcopan moeu 420 mil toneladas de cana plantadas em 6.200 hectares, produzindo 38 milhões de litros de álcool na safra 2002/2003.

Além do aliciamento com promessas falsas, das condições degradantes e da falta de pagamento, outro importante fator que configura o trabalho escravo é o cerceamento de liberdade. Os trabalhadores da Alcopan estão impedidos de voltar para casa, pois não têm dinheiro para empreender a viagem de volta para o Nordeste. Apenas de salários não pagos já são mais de R$ 350 mil, sem contar direitos trabalhistas e descontos indevidos.

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