Elogiadas, ações como o Peti ainda são insuficientes

O programa brasileiro de erradicação do trabalho infantil é reconhecido como uma política pública exemplar. No entanto, não basta para tirar da exploração cerca de 3 milhões de crianças que ainda trabalham no país. Medidas passam por políticas de geração de renda às famílias e combate às drogas
Por Fernanda Sucupira
 13/06/2005

O Brasil é considerado uma referência mundial no combate ao trabalho infantil segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). De 1995 a 2003, o número de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos que trabalham diminuiu de 5,1 milhões para 2,7 milhões, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que corresponde a uma queda de 47,5%. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), reconhecido como uma política pública exemplar para outros países, tem se mostrado uma eficaz ferramenta para esses resultados positivos. Na última sexta-feira (10), antecipando as atividades do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, comemorado no dia 12 de junho, foi divulgado um levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que mostra que mais da metade das crianças atendidas pelo Peti deixaram de trabalhar em atividades ligadas à agricultura – como lavouras, canaviais e plantações de sisal – e ao comércio. Além disso, crianças e adolescentes atendidos pelo programa governamental estão mais adiantados na escola do que os que ainda não começaram a ser beneficiados pelo Peti.

Apesar de todos esses avanços, o programa ainda é alvo de muitas críticas e precisa ser bastante aprimorado. Atualmente, o programa atende 930 mil crianças e adolescentes de 7 a 15 anos de idade em atividades consideradas perigosas, penosas, insalubres e degradantes, e pretende ampliar seu alcance para 1 milhão de trabalhadores infantis ainda em 2005. No entanto, sua cobertura ainda é considerada limitada frente ao universo de crianças que trabalham no país. “Queremos dar uma amplitude maior ao Peti, numa possível integração com o programa Bolsa Família. Mas não é um desafio fácil”, afirma o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias.

O programa é formado por um tripé: uma bolsa mensal para as famílias de crianças e adolescentes envolvidos no trabalho precoce, de R$ 40 para a área urbana e de R$ 25 para a zona rural; a participação de meninos e meninas na Jornada Escolar Ampliada, que inclui atividades de lazer, esportivas, culturais e de reforço escolar; e a promoção social dessas famílias por meio de ações sócio-educativas e de ampliação e geração de renda. É exatamente nesse último eixo que o programa se encontra mais deficiente. “Não tem sido eficaz nesse sentido.Tem que ser priorizada a atenção à família para que ela seja capaz de buscar recursos e não tenha mais que recorrer ao trabalho das crianças para complementar a renda familiar”, afirma Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Investir na educação, tanto dos filhos quanto dos pais é importante, mas as políticas de emprego e geração de renda também devem ser colocadas em primeiro plano.

Para Isa Maria, governo e sociedade civil têm a responsabilidade de buscar outras alternativas ao programa governamental que atendam algumas das piores formas de trabalho infantil que se encontram descobertas, como a exploração sexual para fins comerciais e o tráfico de drogas. Ambos geram uma renda muito elevada que não é compensada pela bolsa mensal fornecida pelo Peti. Esse benefício, no entanto, é eficaz para retirar crianças que trabalham em lixões, por exemplo, área em que ainda é possível avançar bastante. “O governo poderia se comprometer a que daqui a um ano nenhuma criança estivesse mais trabalhando em lixões”, propõe.

A erradicação do trabalho infantil exige especial atenção às meninas e à população negra. “É fundamental pensar na questão de gênero e raça, num país que tem uma enorme desigualdade. A proporção de meninas aumentou de 12%, em 1992, para 26%, em 2003. Isso se deve principalmente ao trabalho infantil doméstico, que é invisível, extenuante, compromete a sociabilidade e expõe as meninas a castigos físicos e abuso sexual – as afrodescendentes em especial”, argumenta Laís Abramo, diretora do escritório da OIT no Brasil. Outra atividade em que predominam as meninas é a exploração sexual infantil para fins comerciais.

A fiscalização do trabalho infantil informal é outro desafio a ser superado, que cabe ao Ministério do Trabalho. Apesar de ter contribuído significativamente nas formas de trabalho inseridas na cadeia produtiva, quando se trata de atividades realizadas nas ruas e nas casas, a fiscalização não tem correspondido à expectativa.

Mineração
O tema do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil desse ano foi o trabalho na mineração e em pedreiras, que atinge 146 mil crianças e adolescentes no Brasil. Ainda que tenha diminuído em 60% desde 1992, quando chegava a 400 mil, o setor representa 4% dos trabalhadores nessa área. Essas crianças são diariamente expostas a condições de trabalho insalubres e perigosas, sujeitas a problemas como esmagamento, explosões, asfixia, perda auditiva e silicose (formação de cicatrizes permanentes nos pulmões provocada pela inalação de areia), entre muitos outros, o que faz com que seu enfrentamento, na opinião das organizações da sociedade civil que defendem dos direitos das crianças e adolescentes, exija ações imediatas e eficazes por parte do poder público.

Da Agência Carta Maior

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