Frente parlamentar quer agilizar regularização de terras

Lançada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, iniciativa pretende atuar como interlocutora entre os diversos órgãos governamentais para buscar soluções aos entraves no processo de titulação dos territórios quilombolas
Por Fernanda Sucupira
 30/06/2005

Existem setenta comunidades quilombolas no Estado de São Paulo, de acordo com levantamento da Universidade de Brasília (UnB), divulgado em maio deste ano. Delas, apenas 28 foram reconhecidas como remanescentes de quilombos e só cinco receberam o título de propriedade de suas terras pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), como garante a Constituição Brasileira de 1988 e a paulista, de 1989. Diversas comunidades enfrentam situações de conflito pela posse da terra contra proprietários particulares, estão em condições sócio-econômicas precárias e têm violados seus direitos básicos de saúde, educação e moradia, entre outros.

Para ajudar a agilizar o processo de regularização das terras quilombolas e a implementar políticas públicas nessas comunidades, foi lançada, na terça-feira (28), a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Estado de São Paulo, da qual participam 23 deputados estaduais. O principal objetivo da frente parlamentar, coordenada pelo deputado Hamilton Pereira (PT), é atuar como interlocutora entre os diversos órgãos governamentais, sejam eles federais ou estaduais, para buscar soluções aos entraves no processo de regularização dos territórios quilombolas em São Paulo.

“O Estado de São Paulo é o mais rico do Brasil, mas, quando chega na hora de titular as terras quilombolas, breca”, afirma Benedito Alves da Silva, o Ditão, quilombola da comunidade de Ivaporanduva, no Vale do Ribeira. Estão em andamento no estado 21 processos de regularização de terras de quilombos, segundo o Incra, responsável desde novembro de 2003 pelos procedimentos de identificação, delimitação, demarcação, titulação e registro imobiliário dos territórios das comunidades negras rurais.

“A Assembléia Legislativa é um espaço de articulação importante. Por isso, temos que fazer com que a luta quilombola ecoe para dentro do parlamento e repercuta no governo e na imprensa, para dar visibilidade a ela”, defende o deputado estadual Simão Pedro (PT). Segundo ele, a luta pelo reconhecimento e pelo título da posse dessas terras é uma questão de justiça e é vergonhoso que a Constituição Estadual tenha determinado isso há mais de 15 anos e as comunidades ainda não tenham seus territórios regularizados. Nesse sentido, a frente parlamentar teria o papel de melhorar a legislação a respeito dos direitos desses grupos, dar apoio às comunidades e encurtar o tempo para se fazer justiça no Estado de São Paulo

Até hoje, essa mediação entre quilombolas e poder público vinha sendo feita informalmente, como no caso da comunidade de Caçandoca, localizada no litoral norte do Estado. Ameaçados de despejo, os quilombolas conseguiram, no início de junho, que a liminar de reintegração de posse fosse cassada e que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconhecesse que a área pertence à comunidade, graças à pressão da sociedade civil, do governo federal e estadual, e de deputados estaduais que fazem parte da frente (leia matéria “Incra reconhece terras de comunidade no litoral paulista”).

Ainda que essas vitórias tenham sido bastante comemoradas, os deputados querem dar passos mais largos. “Vamos articular as diferentes bancadas e órgãos públicos para podermos avançar mais rapidamente na luta pelos direitos dos remanescentes de quilombos, que têm uma história de luta e resistência, mas ainda não foram reconhecidos como cidadãos”, afirma a deputada estadual Maria Lúcia Prandi (PT).

Para os quilombolas, uma questão que deve ser abordada pela frente parlamentar é a demora na Justiça para conseguir tirar os intrusos do território étnico, enquanto que, quando o processo é contra os quilombolas, a decisão sai bastante rápido. “Falta vontade política para resolver o problema. As ações são demoradas, e os quilombolas já estão cansados”, desabafa Antonio dos Santos, presidente da associação quilombola de Caçandoca.

Outra questão ainda sem solução é que as terras de algumas comunidades paulistas encontram-se em áreas de preservação ambiental, o que dificulta ainda mais a titulação das terras. No entanto, é justamente por conta da ocupação sustentável desses grupos tradicionais que esses territórios acabaram virando parques estaduais. “Os quilombos estão em áreas de preservação ambiental porque é exatamente nessas regiões que sobrou parte da vegetação. O sistema de trabalhos dos quilombolas facilita a conservação das áreas verdes. Mas quem veio na frente, a unidade de preservação ou a comunidade quilombola?”, questiona Ditão.

Não é só o direito à terra que ainda não se efetivou para esses povos. Dificuldades no acesso à saúde e à educação básica, moradias precárias e falta de fontes de geração de renda são alguns dos problemas enfrentados por eles. Por isso, a frente parlamentar também foi criada com o objetivo de implementar políticas públicas de desenvolvimento local integrado e sustentado das comunidades quilombolas, contribuir na preservação da identidade cultural dessas comunidades e implementar políticas de financiamento para geração de emprego e renda.

Da Agência Carta Maior

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