Artigo – Gameleira: a Daslu do agronegócio

Servidores públicos fazem uma diligência surpresa e constatam que as denúncias de irregularidades eram procedentes. Os proprietários – ricos e respeitados – reclamam do tratamento “violento” da Polícia Federal. Surgem reclamações de deputados, senadores, pessoas influentes. Daslu? Não, mas bem que poderia ser
Por Leonardo Sakamoto
 21/07/2005

Servidores públicos, cumprindo as suas obrigações previstas em lei, fazem uma diligência surpresa e constatam que as denúncias que haviam recebido sobre as irregularidades em uma determinada empresa eram procedentes. Os proprietários – ricos e respeitados, bem relacionados nas cúpulas do poder – reclamam do tratamento “violento” que teriam recebido da Polícia Federal.

Logo em seguida, surgem reclamações de deputados, senadores, pessoas influentes, juristas, corneteiros de luxo em geral: “Os investimentos estrangeiros vão secar com esse tipo de fiscalização”, dizem uns. “É um ultraje contra o setor que gera empregos”, bradam outros. “Mas os funcionários são bem tratados”, reclamam colunistas de jornais. Surge pressão para que o governo federal afrouxe as decisões (afinal de contas, é impossível ser um fiel cumpridor da lei nesse país, não é?).

Federações patronais reclamam no Congresso contra os desmandos do poder público, manifestam apoio aos proprietários da empresa e tentam até realizar uma passeata em prol da “legalidade”. Alguns jornalistas e veículos de comunicação defendem que a violência perpetrada tem cunho político para desviar o foco da crise política.

Daslu? Não, mas bem que poderia ser.

O relato acima não foi das agruras de Eliana Tranchesi, mas das de Eduardo de Queiroz Monteiro, proprietário da Destilaria Gameleira, da qual foram libertados mais de 1.200 trabalhadores escravizados em meados de junho. Foi a quarta vez que um grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal realizou uma diligência nessa usina de álcool localizada no município de Confresa (MT).

A similaridade dos casos é surpreendente:

1) Eliane Tranchesi é rica. Eduardo de Queiroz Monteiro é rico.

2) No caso da butique, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e o prefeito José Serra (PSDB-SP), entre outros, saíram em sua defesa. Pressionaram o governo federal, reclamando de que a ação viria da revanche do governo petista. Políticos encheram o ouvido do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. O ministro manteve o apoio à ação.

No caso da usina, deputados federais ligados a Pernambuco (seguindo o exemplo de Severino Cavalcanti, presidente da Câmara, que já havia feito lobby pela Gameleira) e o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, entre outros, saíram em sua defesa. Pressionaram o governo federal, reclamando de que a ação viria da revanche do governo petista. Políticos encheram o ouvido do então ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini. O ministro manteve o apoio à ação.

3) Em São Paulo, a toda-poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) saiu em defesa da Daslu através do seu dirigente Paulo Skaf e ensaiou uma manifestação de protesto. Ressaltou-se que a empresa gera empregos e contribui para o desenvolvimento da região. Empresários lembraram que fiscalizações como essa afugentariam possíveis investidores.

Em Confresa, a toda-poderosa Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) saiu em defesa da Gameleira através do seu dirigente Rodolfo Tavares e ensaiou uma manifestação de protesto. Ressaltou-se que a empresa gera empregos e contribui para o desenvolvimento da região. Empresários lembraram que fiscalizações como essa afugentariam possíveis investidores.

4) Em São Paulo, os defensores da Daslu dizem que é impossível pagar todos os impostos. No Mato Grosso, os defensores da Gameleira dizem que é inviável cumprir toda a legislação trabalhista.

Há mais pontos de comparação entre ambas. E isso não é aleatório, mas demonstra que há um padrão de comportamento que a elite assume quando sente-se acuada. O instinto de autopreservação, desenvolvido ao longo de séculos de Casa-grande e senzala, surge de forma semelhante mesmo em ambientes tão diferentes quantos os canaviais de Confresa e os cabides do Itaim Bibi.

Exposta a uma situação que considera de risco à sua posição hegemônica na sociedade, essa elite esquece que tanto a utilização de mão-de-obra escrava, em vez da assalariada, quanto a sonegação de impostos representa concorrência desleal. Esquece que Tranchesi e Monteiro passavam a perna no empresário ao lado e lucravam cometendo um crime.

Ao cobrar que a lei seja totalmente aplicada, os bons empresários estão apenas tomando conta de seus investimentos. Quem não faz isso atua em um corporativismo burro achando que é sua “classe social” que está sendo ameaçada (e, como empresário, perde dinheiro com isso).

Ou faz isso como medida preventiva. Até para evitar devassas na contabilidade ou a verificação da condição social de seus empregados…

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