Situação da Febem é um terror, diz Associação de Mães

Organizações de defesa dos direitos da criança e do adolescente afirmam que a questão do adolescente em conflito com a lei foi a que menos avançou desde a criação do ECA. Em São Paulo, há denúncias agressões brutais contra os internos por ex-agentes do sistema prisional
Por Bia Barbosa
 19/07/2005

Na última quarta-feira (13), dia em que o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 15 anos de vida, Conceição Paganele, presidente da Associação de Mães e Amigos da Criança Adolescente em Risco (Amar), estava de luto. Ela havia visitado o complexo da Vila Maria da Febem-SP (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) e se deparado com adolescentes muito machucados. Segundo ela, eles teriam sido barbaramente espancados pelo já conhecido “Choquinho” e pelo Grupo de Intervenção Rápida, formado por ex-agentes penitenciários, que agora é chamado para controlar a disciplina na Febem.

Na sexta-feira (8) anterior, quando alguns jovens ainda dormiam, este grupo, de acordo com o relato dos internos, invadiu a Unidade de Internação I do complexo usando balas de efeito moral e até de borracha. No sábado (9), a Amar foi até a Febem Vila Maria e se surpreendeu com o que encontrou. “Passei o dia lá e pude identificar que a situação era muito grave. Os meninos estavam machucados, alguns com marcas de tiros nas costas. E não precisa ser inteligente pra perceber que agressão nas costas é traição e não confronto. O grupo disse que os meninos foram pra cima, com cadeiradas. Mas sabemos que isso não é preciso. Essa é a nova política da Febem. Nada pedagógica, com toda a truculência e violência de sempre”, disse Conceição.

Na quarta-feira passada, ela voltou à unidade, para verificar a situação em que se encontravam os meninos que haviam tentado fuga no complexo Tatuapé e que tinham sido transferidos para lá. O temor de Conceição deve-se ao fato de uma mudança no perfil da UI-1. Depois de passar por uma reforma, a unidade passou a ser vista, pelos próprios funcionários, como um local para onde são levados os jovens que “precisam de castigo”. Lá, os adolescentes ficam trancados e módulos, e há duas celas, para onde são levados os meninos que precisam “refletir sobre o que fizeram”.

“Nós conversamos com os meninos. Eles chegam lá e não recebem nada. Não têm roupa, não têm lençol, não têm cobertor, não têm meia… Ontem eles receberam roupas e chinelos. Mas um adolescente, com pé 42 recebeu e que recebeu chinelos 36, falou que não queria usar o chinelo porque isso machucaria o pé. Esse foi o motivo para o levarem para a solitária”, conta Conceição. “Qualquer motivo agora é razão para que este grupo de intervenção entre na Febem. Os meninos contam que eles colocam a arma na boca dos internos, falam que eles são bandidos, são ladrões, não têm direito de nada… São humilhados, têm suas famílias ofendidas, é um terror. Eu nunca ouvi dizer que o sistema prisional fosse exemplo para alguma coisa. É um sistema falido, onde os presos de organizam dentro de comandos pra sobreviver. E agora o governo de São Paulo acha que são essas pessoas que têm que por ordem na Febem. É a ordem da repressão, da humilhação, da truculência, da tortura, do crime e da morte”, lamenta.

Para as organizações de defesa dos direitos humanos, a questão que menos avançou desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi a do adolescente em conflito com a lei. Segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) realizada em 2003, 71% das unidades de internação são totalmente irregulares no Brasil. Há problemas graves em diversos Estados, como no Rio de Janeiro, como mostraram as recentes denúncias contra o Instituto Padre Severino, e em Brasília, no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje).

“Mas São Paulo é o maior símbolo da falência desse sistema. Aqui, o governo ainda mantém uma instituição cujo nome diz respeito ao Código de Menores, que é a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor. Toda sua legislação e atuação ainda é baseada no Código de Menores de 79, ignorando totalmente o que prevê o ECA”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Para Lúcia Pinheiro, coordenadora geral da Fundação Projeto Travessia, sociedade, poder público e organizações sociais precisam se mobilizar pra acabar com a Febem. “Não se combate violência com violência. A Febem é um câncer da nossa sociedade e uma situação aviltante em relação ao descumprimento do ECA. Grande parte dos jovens que estão na Febem poderiam cumprir medidas em meio aberto, perto da sua família, com muito mais resultado, com a comunidade entendendo que é responsável também pelas suas crianças. Está demonstrado que a violência que é cometida com esse jovem é gerada tanto dentro como fora da Febem”, acredita a socióloga.

A avaliação da Associação de Mães e Amigos da Criança Adolescente em Risco é a de que, atualmente, a fundação está pior do que antes das mudanças propostas pelo ex-presidente da Febem Alexandre Moraes. “Antes, quando os meninos eram espancados e agredidos, se identificava o funcionário. Agora não há chefia. Ninguém sabe quem está atirando, batendo, humilhando os meninos. Não se tem mais onde reclamar. O que ninguém nunca teve coragem de mostrar é que a Febem é uma grande meretriz, violentada de todas as formas, onde todos fazem o que querem. O Alexandre escancarou as pernas pra todo mundo. No entanto, esse governo de São Paulo não tem coragem de mudanças. E aí joga um grupo que é totalmente truculento, que de pedagógico não tem nada, pra resolver o problema. É assim que tratam de nossas crianças e adolescentes, que vivem das migalhas miseráveis dessa sociedade e desse governo miserável que nós temos. Aos 15 anos do ECA, eu tenho muito o que lamentar. Estou totalmente de luto”, conclui Conceição.

Da Agência Carta Maior

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