Artigo – No vácuo da crise, fazendeiros saem da “lista suja” do trabalho escravo

Agosto registra um aumento do número de liminares concedidas pela Justiça para que fazendeiros fossem suspensos da “lista suja” do trabalho escravo. Nove dos 21 excluídos conseguiram o benefício neste mês
Por Leonardo Sakamoto
 17/08/2005

A crise gerada pelas denúncias de corrupção no governo federal concentrou as atenções da imprensa e da opinião pública nas lentes da TV Senado, em que são transmitidos os debates das CPIs. Ao mesmo tempo, a instabilidade política e a sensação de enfraquecimento do poder executivo ajudaram a criar um cenário propício para que certas ações – que sofreriam grande resistência da sociedade civil e de entidades governamentais – acontecessem. Isso foi constatado através do aumento significativo de liminares concedidas pela Justiça para que fazendeiros fossem suspensos da “lista suja” do trabalho escravo. Dos 21 empregadores excluídos, 9 conseguiram o benefício agora em agosto – época de depoimentos quentes e manchetes bombásticas.

Essa relação de empregadores flagrados com trabalho escravo existe desde novembro de 2003 e tem servido para impedir empréstimos bancários, checar a legalidade dos títulos de propriedade e identificar as cadeias produtivas. Vale lembrar que as primeiras liminares para suspensão da “lista” foram concedidas pela Justiça no final de 2004, aproveitando o recesso para as festas de final de ano.

As quatro atualizações da “listas sujas” do governo federal foram divulgadas nos meses de novembro de 2003, junho de 2004, dezembro de 2004 e julho de 2005. Ao todo, contando com os nomes retirados por liminar, são 188 empregadores relacionados. A “lista suja” traz propriedades que se localizam em Rondônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Dos 21 excluídos, 17 liminares foram obtidas na Justiça Federal e quatro na Justiça do Trabalho. A Advocacia Geral da União está recorrendo desses casos.

A recordista de liminares é a Justiça Federal em Marabá (PA), com 11 – todas concedidas pelo juiz substituto Francisco de Assis Garcês Júnior. Garcês cobre as férias do juiz federal titular, que, ao contrário dele, não tem atendido à solicitação de fazendeiros e empresas da região Sul do Pará.

Os 9 empregadores excluídos da “lista” em agosto são: Agropecuária Carajás (fazenda Primavera), Celso Mutran (fazenda Baguá), Euclebe Vessoni (fazenda Ponta de Pedra), José Coelho Vítor (fazenda Santa Lúcia), Márcio Ribeiro (fazenda Primavera), Marcus Carvalho (fazenda Tangará), Roberto Guidoni Sobrinho (fazenda Jaó), Romualdo Alves Coelho (fazenda São Paulo) e Viena Siderúrgica (fazendas Medalha).

O combate ao trabalho escravo sofreu com a crise política. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que coordena a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), perdeu seu status ministerial e tornou-se uma subsecretaria da Secretaria Geral da Presidência da República. A proposta de emenda constitucional que prevê o confisco das terras em que trabalho escravo for encontrado está parada na Câmara do Deputados – aliás, como todas as outras matérias de interesse público.

O proponente da PEC 438, deputado Paulo Rocha (PT-PA), que poderia acelerar o seu trâmite, está envolvido nas denúncias de recebimento ilegal de recursos e renunciou ao cargo de líder do governo na Câmara. Há casos aguardando um posicionamento do Supremo Tribunal Federal que desatariam nós no combate ao trabalho escravo, como a definição da competência (federal ou estadual) para julgamento desse crime e denúncias contra políticos que utilizaram esse tipo de mão-de-obra.

Entidades da sociedade civil que militam na área do combate ao trabalho escravo avaliam que a imprensa tem um papel fundamental na defesa aos direitos humanos, pois funciona como um observatório que impede tanto o governo quanto grupos da sociedade de se aproveitarem do restante do país. Mas com a crise política e conseqüentemente a concentração da cobertura em um único tema, estabeleceu-se um vácuo em áreas importantes, como o combate ao trabalho escravo.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM