Muito sangue já correu pelo Tocantins e o Araguaia, rios que espremem a região conhecida como Bico do Papagaio. Essa porção norte do Estado do Tocantins, enroscada entre o Pará e o Maranhão, enterra parte da história recente do país. Seja na vala comum, em que se encontram os guerrilheiros que tombaram na resistência armada contra a ditadura militar, seja nas centenas de camponeses que desapareceram embaixo do asfalto da rodovia Belém-Brasília e do pasto das fazendas de gado.
Uma das sombras que o tempo não conseguiu enterrar é a do padre Josimo Tavares, coordenador da Diocese de Tocantinópolis, assassinado a mando de fazendeiros em 10 de maio de 1986. Em vida, desafiou latifundiários, políticos, policiais e a Justiça, defendendo a reforma agrária e o direito à uma vida decente.
Quase 20 anos após esse padre negro ter tombado crivado de balas, os dois rios ainda cheiram a sangue, como lembra o pescador cujo sonho é ver o mar, personagem do espetáculo “Josimos das águas, das terras de lá…”. Produção do grupo teatral Centro da Arte do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (MA) em parceria com o Núcleo Otello de Pesquisa e Produção Teatral, estréia na capital paulista no próximo dia 24 de agosto para duas únicas apresentações.
A peça, que está em turnê pelo país e já passou por Brasília, São Luís e Goiás Velho, narra os conflitos pela posse da terra na região, a violência no campo, a expulsão de comunidades tradicionais de seus locais de origem e o assassinato do padre Josimo, que tornou-se um mártir da luta pela reforma agrária no Brasil.
“Josimos das águas…”, com um belo trabalho de cenografia, consegue trazer um pedaço do Bico do Papagaio para o palco. Enquanto isso, os atores lançam ao público da cidade grande uma luz sobre a realidade do campo na Amazônia brasileira. Lavadeiras, em seus discursos, mostram os pensamentos, medos, angústias e sonhos do povo. As quebradeiras de coco de babaçu discutem a dura decisão de enfrentar os donos do poder.
Apesar da repercussão internacional que alcançou histórias como a de Josimo e de Chico Mendes, toda a semana ainda desaparece um padre, um sindicalista, um líder comunitário, um sem-terra, um catador de babaçu, uma missionária na Amazônia. É possível, por exemplo, substituir o nome de Josimo pelo da Irmã Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA), em fevereiro deste ano. Alguns deles conseguem, pelo peso do nome, manchar as páginas dos jornais. Outros apenas mantém o Araguaia e o Tocantins com o cheiro ocre de terra batizada de sangue.
A peça é uma realização do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia – que recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2004 – e foi beneficiada pela Lei de Incentivo à Cultura. Conta com apoio da Secretaria Municial de Cultura de São Paulo. Paralelamente ao espetáculo, acontece a exposição “Temos Direito a Sonhar!”, com telas sobre o trabalho escravo contemporâneo, de autoria dos artistas plásticos Milton Teixeira, Vera Leite e Weliton Dias.
Josimos das águas, das terras de lá…
Entrada gratuita (os ingressos de cada dia serão distribuídos com uma hora de antecedência na bilheteria do teatro)
Datas: Dias 24 e 25 de agosto, às 21h (105 minutos de duração)
Local: Teatro Arthur Azevedo – avenida Paes de Barros, 955, Mooca. Telefone: (11) 6605-8007. Lotação: 450 lugares
Diretor: Wellington Nascimento
Elenco: Vanusa Alencar, Maria Lúcia, Gracinha Donato, Francisco Cruz, Fredson Silva, Zélia Silva, Valquíria Brito, Liu Araújo, Lauro Costa, Antônia Soares, Regivaldo Marques.