Chega à OEA denúncia contra grupo de extermínio no Ceará

Diante da lentidão da Justiça cearense, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Fortaleza decidiu enviar à Organização dos Estados Americanos denúncia sobre atuação de um suposto grupo de extermínio na cidade. Caso envolve uma grande rede de farmácias, a Pague Menos
Por Fernanda Sucupira
 27/10/2005

Desde julho de 2002, entidades de defesa dos direitos humanos vêm denunciando a ação de grupos de extermínio na cidade de Fortaleza, no Ceará. Cerca de 30 homicídios são atribuídos a policiais militares que, nos horários de folga, prestavam serviços clandestinos de segurança privada para uma grande rede de farmácias, a Pague Menos. A maior parte das vítimas, pelo menos 18 delas, eram adolescentes. Após três anos de investigação, foram instaurados pelo Ministério Público Estadual procedimentos criminais relacionados a apenas quatro desses assassinatos, mas mesmo em tais casos os responsáveis não foram punidos.

Por conta dessa situação de total impunidade, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Cedeca-CE) decidiu levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). As denúncias foram apresentadas numa audiência, em Washington, na semana passada. Agora a entidade aguarda a resposta da comissão se o caso será aceito ou não.

As organizações da sociedade civil, já em 2002, solicitaram investigações não apenas das práticas de extermínio, como também sobre a realização de segurança privada clandestina, tortura e corrupção pelos policiais militares. Foram as semelhanças entre os crimes que levantaram as desconfianças iniciais. A história que justificava os homicídios era sempre a mesma: uma tentativa de assalto a uma das farmácias da rede que era interceptada por um suposto cliente, transeunte, ou motociclista armado. Os crimes seriam impedidos e os supostos infratores eram baleados, resultando, na maioria das vezes, na morte deles.

As entidades receberam, de diversas fontes, informações de que, na verdade, os policiais militares que faziam segurança clandestina na rede de farmácias tinham ordem de executar os prováveis assaltantes. “Estranhamos esse modus operandi tão parecido e não acreditamos que pudesse ser coincidência, como afirmava a Pague Menos”, afirma Renato Roseno, coordenador do Cedeca-CE, que apresentou o caso à OEA.

Ao levar esses crimes à CIDH, o Cedeca espera fazer mais pressão sobre o governo brasileiro e conseguir que sejam tomadas medidas efetivas para punir esses crimes. Os peticionários querem que a comissão solicite a federalização do caso. “Estamos convencidos da necessidade de deslocar a competência para a esfera federal”, afirma Renato Roseno. Essa certeza se dá por conta por conta da demora injustificada na resolução do caso, que gera um elevado nível de impunidade. Segundo Roseno, o governo do Estado não fez quase nada para elucidar os crimes e responsabilizar os culpados desde as primeiras denúncias.

Depois de dois anos de investigação, já em 2004, a polícia federal determinou a prisão preventiva de sete acusados. No entanto, um deles ainda está foragido e os outros seis foram soltos após menos de dois meses, com parecer do Ministério Público Estadual favorável à soltura. A grande maioria dos casos sequer teve inquérito instaurado, ainda que existam provas concretas que comprovam o envolvimento dos policiais militares. Foram divulgadas na imprensa, inclusive, uma série de gravações realizadas pela polícia federal que continham conversas telefônicas de policiais que participaram dos crimes e mostravam a veracidade das denúncias.

Em maio desse ano, a procuradora federal dos direitos do cidadão da Procuradoria Geral da República, Ela Wiecko de Castilho, levou um relatório sobre o caso ao Conselho Nacional de Defesa dos Direitos Pessoa Humana (CDDPH), recomendando o afastamento dos policiais envolvidos. Isso fez com que as investigações do Ministério Público Estadual voltassem a andar. O CDDPH convocou a procuradora-geral de Justiça e o secretário estadual de segurança do Ceará para prestar esclarecimentos em uma audiência do órgão em Brasília. Como não foram atendidos, resolveram realizar sua sessão mensal em Fortaleza. Convocaram novamente essas autoridades, mas ainda assim elas não compareceram. Eles também haviam solicitado audiência com o governador do Estado, Lúcio Alcântara (PSDB), mas não foram recebidos por ele.

Só nesta quinta-feira (27), após o caso ter sido levado à CIDH, é que sete acusados de três dos 30 crimes tiveram a prisão preventiva solicitada novamente e foram pronunciados pelo Ministério Público Estadual, o que significa que serão levados a julgamento.

O Cedeca-CE pretende também que a comissão solicite ao governo brasileiro a adoção de todas as providências necessárias para acabar com as estruturas de segurança clandestina envolvendo policiais militares e proteja vítimas e testemunhas denunciantes, já que várias delas vêm sendo ameaçadas e o programa de proteção a testemunhas no Estado do Ceará enfrenta dificuldades. “A figura do ‘bico’ do policial militar na segurança clandestina ocorre no país todo por causa dos baixos salários e do sucateamento da segurança pública. Os vigilantes clandestinos não estão cadastrados na polícia federal e não têm nenhum tipo de controle disciplinar”, diz Roseno. O Cedeca-CE pediu ainda que a CIDH estude a possibilidade de enviar um de seus membros para visitar o Ceará e avaliar a situação in loco.

Para Roseno a denúncia é uma das mais graves violações de direitos humanos no Brasil nos últimos anos, por envolver oficiais de alta patente da polícia militar, um grande grupo econômico com filiais em todo o Brasil e uma empresa de segurança, num grupo que extermina principalmente adolescentes.

Da Agência Carta Maior

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