A descoberta, feita esta semana, de um clarão de 27 mil hectares de floresta desmatada na região de Cumaru do Norte, no Pará, foi recebida com pesar, mas sem nenhuma surpresa pelo movimento ambientalista. Segundo ONGs que militam pela causa, esse desmatamento de grandes proporções é mais do que um crime ambiental entre tantos outros que volta e meia são revelados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na região. Ele seria a comprovação de que as atividades predatórias na Amazônia foram retomadas a todo vapor, apesar dos dados divulgados em junho pelo governo que indicavam uma considerável redução em seu ritmo.
A acentuada queda no ritmo de derrubada de árvores naquele momento – que, em alguns lugares emblemáticos como a Terra do Meio (PA), ultrapassou os 90% – aconteceu, segundo os ambientalistas, devido à forte presença do Exército, da Polícia Federal e de outros órgãos do poder público na região após o conturbado período que se seguiu à ocupação de cidades por madeireiros e ao assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang. Os ambientalistas discordam que a queda no desmatamento registrada em junho represente uma tendência, como chegaram a afirmar alguns membros mais otimistas do governo. Ela seria na realidade apenas a fotografia de um momento.
Para Roberto Smeraldi, que é diretor da organização Amigos da Terra, o ritmo no desmatamento da Amazônia voltou a sua “triste normalidade” depois que a presença do poder público na região arrefeceu. “O que ocorreu foi uma redução em junho que chegou a 94% em algumas regiões. Já em meados de julho, no entanto, o ritmo do desmatamento foi retomado e tudo voltou ao business as usual”, disse. Smeraldi chama de “fantasia” a idéia de que existe uma tendência de redução. “Quem fala em tendência está tendo um entendimento parcial dos dados. O que houve foi apenas uma queda abrupta ocorrida num período específico, uma interrupção devido a um fato excepcional”, disse.
O motivo da queda momentânea no desmatamento, para o ambientalista, é claro. “Em junho tivemos a Operação Curupira, montada pelo governo, que levou militares e policiais à região após o assassinato da Irmã Dorothy”, disse. Além da presença física de forças repressivas à ação predatória, Smeraldi aponta também a intimidação simbólica a que foram submetidos os infratores. “Foram quatro ou cinco minutos de reportagem sobre isso no Jornal Nacional durante vários dias consecutivos, uma coisa que nunca havia ocorrido antes. Uma enorme campanha de mídia, aliada a uma efetiva operação policial, foi isso que deteve o desmatamento naquele momento”, disse.
Coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário também acha que o velho ritmo do desmatamento foi retomado. “Nossa avaliação é que a queda foi conjuntural e se deveu muito à Operação Curupira. Outros fatores, como a queda no preço da soja em junho, também contribuíram para esse quadro”, avaliou. Adário acredita que, se existe uma tendência, ela é de retomada do preocupante cenário dos últimos anos. “Os efeitos da Operação Curupira começam a se diluir e vemos que indicadores como a expansão da fronteira agrícola e a derrubada de árvores continuam sendo importantes”, disse.
“Deter não é suficiente”
Os ambientalistas jogam água fria também sobre outro ponto apontado como positivo por membros do governo após a devastação descoberta em Cumaru do Norte: a eficácia do sistema Deter, que permite a identificação de grandes focos de desmatamento em tempo quase real. Para Paulo Adário, isso só aumenta a responsabilidade do Ibama. “Se o governo possui uma ferramenta que permite o monitoramento do desmatamento mês a mês, agora não tem mais justificativa para dizer que não sabe onde está sendo desmatado. Com o Deter, o governo deveria ter meios de saber até quem está provocando o desmatamento”, disse.
Roberto Smeraldi avalia que, com o sistema Deter, “fica fácil ver o desmatamento na tela do computador e mandar alguém ao local fazer a autuação”. Ele, no entanto, alerta que o sistema só funciona para grandes áreas desmatadas. “Usar o tempo real para identificar grandes desmatamentos pode dar certo, mas para deter os centenas ou milhares de pequenos desmatamentos o governo não tem nenhuma estrutura”, critica. De acordo com os cálculos de Ivan Borel Amaral, que é chefe da fiscalização do Ibama em Marabá (PA) e coordenou as operações em Cumaru do Norte, os pequenos desmatamentos pulverizados pela região podem somar outros 10 mil hectares: “Com a presença da fiscalização e a criação de unidades de conservação, o foco do desmatamento se deslocou para Cumaru”, avalia Amaral.
Multas questionadas
Além de voltarem a pedir o fortalecimento do Ibama, assim como a capacitação de seus quadros, os ambientalistas criticaram o “espetáculo das multas” aplicadas pelo órgão, que são alardeadas pela imprensa, mas poucas vezes pagas de fato. “A impunidade segue quase total e o aumento das autuações em si não é um indicador de que o Ibama vem tendo uma ação mais efetiva. Multas milionárias são aplicadas e divulgadas com estardalhaço pela imprensa, mas depois não são pagas pelos criminosos. O Tribunal de Contas da União (TCU) mostra, de 1999 para cá, a incapacidade crônica do Ibama em cobrar suas multas”, denuncia Smeraldi. Segundo o Ibama, a soma das multas aplicadas na região da Terra do Meio podem chegar aos R$ 100 milhões até o fim do ano.
O diretor da Amigos da Terra afirma que as altas multas aplicadas pelo Ibama têm “apenas valor de comunicação”, pois podem “intimidar ações predatórias ao serem veiculadas pela grande imprensa”. Além disso, nada: “O Ibama é uma máquina de autuações mal lavradas e processos sem chance alguma de chegar a uma conclusão. Tudo isso devido à falta de capacitação das equipes de fiscalização do instituto”, opina. O Greenpeace também critica a fiscalização do Ibama: “Mais do que a aplicação de multas que muitas vezes não são pagas, queremos ver a ação antes do fato criminoso, com a presença do Ibama no local. Para isso é preciso investimento do governo”, disse Adário.
Segundo os ambientalistas, o governo precisa ir além do fortalecimento da fiscalização contra o desmatamento. “Mais do que capacitar o Ibama, o governo deve promover uma presença permanente do poder público na Amazônia. Isso implica também no fortalecimento de outras instituições, como a Polícia Federal e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)”, avalia Adário. Para Smeraldi, no entanto, essa realidade continua distante. “Parece que continuaremos naquele esquema de o governo fazer alguma operação ou soltar alguma verba somente a cada vez que se mata uma Dorothy, a cada vez que se descobre um desmatamento gigantesco”, lamenta. Adário completa: “A presença do governo na Amazônia não pode ser conjuntural, não pode ser determinada por fatos políticos ou momentos espetaculares
Da Agência Carta Maior