Uma decisão histórica da Justiça brasileira vai permitir que organizações da sociedade civil ocupem, a partir de dezembro, uma hora diária da programação da Rede TV! com programas que promovam e defendam os direitos humanos. Nesta terça-feira (15), a emissora assinou um acordo com o Ministério Público Federal e mais seis entidades garantindo a transmissão de 30 programas entre os dias 5 de dezembro e 13 de janeiro (de segunda a sábado). O acordo aconteceu depois que a emissora teve seu sinal cortado na noite desta segunda (14) por se negar a exibir um direito de resposta determinado pela juíza federal Rosana Ferri Vidor, da 2a Vara Federal de São Paulo. O direito de resposta havia sido conquistado por liminar que suspendia a transmissão do programa Tarde Quente, do apresentador João Kleber, em função de violações de direitos humanos presentes no quadro das “pegadinhas”, e ordenava a exibição, por 60 dias, de programas educativos, como contra-propaganda aos quadros que humilhavam, ofendiam e reforçavam preconceitos contra homossexuais, mulheres, negros, idosos, crianças e pessoas com deficiência.
Os primeiros programas da contra-propaganda, que deveriam ir ao ar nesta segunda, foram enviados via oficial de Justiça para a Rede TV!. A emissora, no entanto, se recusou a receber as fitas, afrontando pela segunda vez a Justiça em poucos dias, já que na semana passada, se negou a receber a notificação que determinava a suspensão do programa de João Kleber, fazendo-o somente no dia seguinte.
Em função do não cumprimento da liminar, o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Sérgio Suiama, solicitou à juíza federal a interrupção do sinal da emissora, como medida para assegurar o cumprimento de obrigação de colocar a contra-propaganda no ar. A juíza Rosana Vidor acatou o pedido e a determinou que o sinal fosse interrompido por 48 horas ou até que a emissora se comprometesse em juízo a cumprir a liminar expedida no dia 4. A decisão teve efeito imediato. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), responsável por cortar o sinal de transmissão da emissora, tomou conhecimento do despacho no final da tarde de segunda e se dirigiu à sede da Rede TV! acompanhada da Polícia Federal para fazer cumprir a ordem do Poder Judiciário. O transmissor da emissora, localizado no Sumaré (zona oeste de São Paulo), foi lacrado, mas a Anatel não conseguiu lacrar o centro de exibição da emissora, que fica em Barueri, município vizinho à capital paulista. Por isso, às 21h, somente o sinal para a TV aberta foi cortado. A Rede TV! continuou no ar no restante do país e também na TV paga, mas sua audiência foi altamente reduzida.
Para Suiama, o pedido de suspensão do sinal se justifica em função do total desrespeito à Justiça brasileira por parte dos administradores da Rede TV!. No pedido enviado à juíza Rosana Vidor, ele relata que a emissora vem sistematicamente colocando obstáculos ao cumprimento da liminar expedida na última semana.
“Desde a primeira notificação expedida, a empresa simplesmente recusa-se a permitir o ingresso dos oficiais de justiça em suas dependências, sob a alegação singela de que os responsáveis pela emissora estão ausentes. Também não houve o cumprimento da decisão no que se refere à exibição do noticiário nacional, no horário reservado ao programa Tarde Quente”, disse Suiama. A Rede TV! também não efetuou o pagamento dos recursos necessários à produção dos dez programas de direitos humanos que funcionariam de contra-propaganda, conforme havia sido determinado pela liminar. Segundo informação da Central de Mandados, a emissora se recusou a atender o oficial de Justiça que cumpria mandado de intimação expedido pela juíza e que ordenava o depósito judicial da importância devida. Por fim, na segunda-feira, a emissora se recusou a exibir o programa produzido pelas entidades da sociedade civil.
“Como se vê, a ré parece acreditar que as decisões jurisdicionais proferidas contra si não devem ser cumpridas, pois goza ela de algum tipo de imunidade”, descreveu Suiama. “É inadmissível que a concessionária de um serviço público federal faça tamanho pouco caso de uma decisão judicial em vigor”, acredita o procurador. Para Suiama, não se trata apenas de assegurar o direito das entidades à contra-propaganda, mas de preservar “a seriedade da função jurisdicional do Estado brasileiro, contra a prestadora de um serviço público delegado que se recusa a cumprir uma ordem judicial legítima e proferida nos estritos limites da legalidade”.
Com o sinal cortado, a Rede TV! não teve alternativa a não ser propor um acordo com os autores da ação civil pública que havia resultado na liminar concedendo o direito de resposta. A ação, movida pelo Ministério Público Federal e assinada por ONGs de defesa dos direitos humanos (Intervozes, Centro de Direitos Humanos, Associação de Incentivo à Educação e Saúde de SP, Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de SP, Identidade – Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual), pedia a cassação da concessão da emissora pelo fato do programa de João Kléber violar os direitos humanos e estimular a homofobia.
O acordo fechado no final da tarde desta terça-feira prevê a exibição de 30 programas de uma hora de duração, sem intervalo comercial, entre os dias 5 de dezembro a 13 de janeiro. Até o dia 5 do próximo mês, o Tarde Quente segue suspenso e, em seu lugar, a Rede TV! deve exibir uma programação alternativa. A emissora também deve pagar R$ 200 mil para produção desses programas de contra-propaganda. Os recursos serão depositados em parcelas de R$ 12.500,00 a partir do dia 30 de novembro. Pela violação dos direitos humanos e deseducação da população brasileira, a Rede TV! terá que depositar R$ 400 mil de mil na conta-corrente do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, em parcelas de R$ 20 mil monetariamente corrigidas pelo índice IPCA-IBGE.
Em relação ao conteúdo de sua programação, a Rede TV! deve se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas” ou outro similar, ofensas a homossexuais, afrodescendentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, indígenas, crianças e adolescentes; ofensas ou humilhações a pessoas comuns do povo; e xingamentos ou palavras de baixo calão. No quadro “Teste de Fidelidade”, do programa Eu Vi na TV, também do humorista João Kléber, a emissora não poderá mais “testar” mulheres pelos atores do programa, muito menos exibir xingamentos e ofensas morais ou físicas às mulheres.
Em contrapartida, a ação que pede cassação da concessão da emissora foi retirada. O acordo foi homologado na noite de terça e, logo na sequência, o sinal da Rede TV! voltou a ser transmitido. Na hipótese de descumprimento de quaisquer das obrigações contidas no termo, a emissora terá que pagar uma multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento.
Da Agência Carta Maior