Brasília – O grupo móvel de fiscalização libertou em ação finalizada na segunda-feira (21) 16 trabalhadores que se encontravam em condições análogas à de escravo na fazenda Santa Luzia, município de Nova Bandeirantes, no norte do Estado do Mato Grosso. A ação foi realizada para monitorar a situação da propriedade – incluída na “lista suja” do trabalho escravo desde a criação dessa relação, em novembro de 2003 – e checar se a Santa Luzia poderia ter seu nome retirado da lista. Neste ano, quase 3500 pessoas já ganharam a liberdade através dos grupos móveis, formados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal.
Segundo as regras do Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelo cadastro, a inclusão do nome do infrator na lista acontece somente após o final do processo administrativo criado pelos autos da fiscalização que flagrar o crime. A exclusão, por sua vez, depende de monitoramento do infrator pelo período de dois anos. Se durante esse período não houver reincidência do crime e forem pagas todas as multas e quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome será retirado. A relação tem servido para impedir empréstimos bancários e fundos públicos de financiamento, checar a legalidade dos títulos de propriedade e identificar as cadeias produtivas das fazendas.
Os fatos que a operação de fiscalização constatou poderão implicar na manutenção da Santa Luzia na “lista suja”. De acordo com a procuradora do Trabalho Márcia Medeiros, que acompanhou a ação, os trabalhadores estavam em situação extremamente degradante. A comida não tinha condições de consumo e a água em um dos quatro acampamentos em que estavam distribuídos cheirava a esgoto. Tinham que comprar seus próprios equipamentos de proteção individual e seus instrumentos de trabalho, como foices e enxadas. O fornecimento de ambos, por lei, é de responsabilidade do empregador. Estavam amontoados em redes em barracas de palha e lona que tinham que ser construídas por eles mesmos, pois o empregados não fornecia alojamento.
Todos haviam sido contratados para fazer roço e aplicação de veneno no pasto e para erguer cercas para o gado do patrão. Não havia assistência médica para os doentes.
Cadeia produtiva
A fazenda Santa Luzia possui relações comerciais com o frigorífico Alta Floresta, pertencente ao grupo Quatro Marcos. Este, por sua vez, comercializa carne bovina com redes de supermercados como a Mundial, Casas Guanabara, Makro, entre outros. As redes Carrefour e Pão de Açúcar também compravam do frigorífico. Contudo, após terem conhecimento de um estudo sobre a cadeia produtiva do trabalho escravo no Brasil, alertaram todos os seus fornecedores e cortaram relações com aqueles que mantiveram como clientes fazendas presentes na “lista suja”.
O estudo, da organização não-governamental Repórter Brasil, mostra os itens que foram produzidos em fazendas da “lista suja” que são comercializados no mercado interno ou exportados. A pesquisa foi solicitada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo federal e serviu de embasamento para que fosse firmado o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – iniciativa do Instituto Ethos de Responsabilidade Social e da Organização Internacional do Trabalho. O Pacto, assinado no dia 19 de maio em Brasília, já conta com cerca de 80 signatários, incluindo grandes empresas como Coteminas, Votorantin, Petrobras, Banco do Brasil, Carrefour e Pão de Açúcar.
Vale ressaltar que a família que controla a fazenda é a mesma que controla o frigorífico Quatro Marcos. Na fiscalização que levou a fazenda a entrar na lista suja – após denúncia de mães e esposas de trabalhadores, um grupo móvel libertou 129 pessoas entre abril e maio de 1997 – aparece como proprietário Sebastião Douglas Xavier. Ele é o dono do Grupo Quatro Marcos, que está entre os dez maiores exportadores de carne do país. Na fiscalização ocorrida nesta semana, Suzete Xavier e Rosane Xavier aparecem arrendando a mesma fazenda.
Em outubro deste ano, o jornal O Globo publicou reportagem em que denuncia a presença de trabalho escravo entre os fornecedores de grandes frigoríficos exportadores, com base em informações do estudo da cadeia produtiva. Na época, o grupo Quatro Marcos alegou, através de sua assessoria, que havia comprado “sem conhecimento da prática na fazenda”.
O frigorífico é membro da Associação Brasileiros das Indústrias Exportadoras de Carne e Sebastião Xavier, um de seus conselheiros. O Grupo Quatro Marcos exporta para a África, América, Europa e Ásia.
Educação
Os empregadores pagaram os direitos aos trabalhadores, totalizando R$ 35.603,78, e receberam nove autuações. Foi firmado um termo de ajuste de conduta em que estão registradas as obrigações da fazenda. A procuradora do Trabalho Márcia Medeiros conseguiu inserir no acordo uma indenização por dano moral coletivo diferente: os empregadores se comprometem a construir e aparelhar uma unidade escolar na zona rural de Nova Bandeirantes até agosto de 2006. “A escola mais próxima fica a 40 quilômetros de distância”, afirma Márcia. Caso os empregadores não cumpram o acertado, terão que pagar mais um valor de multa mensal pelo atraso e destinar R$ 100 mil ao fundo de amparo ao trabalhador.