Juiz atuante no combate ao trabalho escravo pode ter aposentadoria forçada

Tribunal Regional do Trabalho no Pará aceitou representação disciplinar contra o juiz Jorge Vieira. Processo foi solicitado por juíza que contrariou decisão de Vieira no caso da empresa Lima Araújo Agropecuária, sentenciada a pagar a maior indenização já aplicada no país por uso de trabalho escravo
Por Leonardo Sakamoto
 21/12/2005

O juiz Jorge Vieira, titular da Vara do Trabalho de Capanema, no Pará, corre o risco de ser aposentado compulsoriamente pelo Tribunal Regional do Trabalho do Estado. Vieira ficou conhecido nacionalmente por decisões contra fazendeiros que utilizaram mão-de-obra escrava em suas terras e tornou-se referência para a jurisprudência sobre o tema. Já foi ameaçado de morte devido às sua atuação no Pará – Estado que concentra o maior número de casos de libertação de escravos, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego.

O TRT da 8a Região aceitou uma representação contra ele apresentada pela juíza Sulamir Monassa e abriu um processo administrativo disciplinar. Ela reclama que Vieira teria a ofendido em notas divulgadas por associações de classe e em matérias jornalistas após uma decisão dela a favor da empresa Lima Araújo. A juíza Monassa também afirmou que Vieira foi além de sua competência ao impôr restrições à empresa. A Lima Araújo, proprietária das fazendas Estrela das Alagoas e Estrela de Maceió, localizadas no município de Piçarra (PA), havia sido condenada por Jorge Vieira por utilizar mão-de-obra escrava. Sulamir Monassa não foi encontrada pela reportagem para comentar o caso.

O primeiro relator do caso, Albano Lima, presidente do TRT, propôs o arquivamento. Contudo, os desembargadores votaram contra e aceitaram a representação.

Até agora não foram apresentadas provas dessas ofensas escritas. Em sua defesa, o juiz Jorge Vieira afirma que não concedeu nenhuma entrevista que depreciasse a colega e que apenas teria se defendido de declarações dirigidas contra ele, mas sem criticar o conteúdo e a forma da liminar concedida por Monassa. A punição, caso a juíza ganhe a ação, pode ser, na hipótese mais grave, a aposentadoria forçada de Vieira. Não há data para julgamento do caso.

A empresa Lima Araújo Agropecuária Ltda. foi condenada no dia 13 de maio deste ano a pagar R$ 3 milhões de reais e a adotar uma série de medidas para se ajustar à legislação trabalhista. Ela havia reduzido 180 pessoas (entre os quais nove adolescentes e uma criança) à condição de escravas em suas fazendas Estrela das Alagoas e Estrela de Maceió, em Piçarras, Sul do Pará. Por três vezes, essas propriedades rurais foram palcos de libertação de trabalhadores em ações de fiscalização: em fevereiro de 1998, outubro de 2001 e novembro de 2002. A decisão foi tomada por Vieira, quando era juiz titular da 2a Vara do Trabalho de Marabá, que acolheu uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. Os proprietários estão recorrendo e têm como advogado Hermes Tupinambá, ex-desembargador do TRT.

Este foi o maior valor já aplicado em uma sentença por trabalho escravo contemporâneo. A primeira indenização milionária (R$1.350.440,00) havia sido obtida através de um acordo entre o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e a empresa Jorge Mutran por escravidão na fazenda Cabaceiras, em Marabá (PA), em agosto de 2004. Esse acordo também foi selado por Jorge Vieira.

O processo contra a Lima Araújo, que possui quase 100 páginas, determina a quebra dos sigilos bancário e fiscal, decreta a indisponibilidade de bens e defere o bloqueio imediato e preventivo do valor de R$ 3 milhões que for encontrado em contas bancárias em nomes dos réus – as alagoanas Lima Araújo Agropecuária, a PH Engenharia, a Construtora Lima Araújo e os proprietários dessas três empresas – Fernando Lyra de Carvalho e Jefferson de Lima Araújo Filho.

A juíza Sulamir Monassa concedeu liminar anulando a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, que havia sido erguido para garantir o pagamento da condenação gerada pela ação civil. Na época, a decisão foi criticada por entidades da sociedade civil envolvidas no combate ao trabalho escravo.

Posteriormente, a liminar foi cassada e a decisão de Jorge Vieira reestabelecida. Porém, de acordo com o processo, quando isso ocorreu os réus já haviam retirado o dinheiro de suas contas de modo que o bloqueio de R$ 3 milhões ficou impossibilitado.

O montante de R$ 3 milhões pode assustar, mas é bem menor se for considerado o valor pedido pelo Ministério Público do Trabalho do Pará em sua ação: R$ 85,056 milhões. O valor corresponderia a 40% do patrimônio estimado pelo MPT das duas propriedades, que têm como principal atividade a criação de gado para corte. Em valores, este foi o maior processo já movido contra uma empresa por trabalho escravo no Brasil. A própria testemunha de defesa, um funcionário da fazenda, afirmou que havia duas categorias de trabalhadores: os fixos e os temporários, e que a situação destes últimos, instalados em barracões de lona em péssimas condições de higiene, era bem pior.

A Lima Araújo já havia sido ré em outras três ações por trabalho escravo, tendo sido condenada a pagar R$ 30 mil por danos morais coletivos e flagrada cometendo o mesmo crime logo depois. De acordo com Lóris Rocha Pereira Júnior, procurador do Trabalho responsável pela ação milionária, as constantes reincidências da Lima Araújo na utilização de mão-de-obra escrava, a situação degradante em que sempre eram encontrados os seus funcionários e o descaso com a Justiça e o trabalho dos fiscais justificaram o tamanho do pedido.

“Eles não respeitam a lei ou as autoridades constituídas. Tanto que, enquanto tramitava uma ação na Justiça do Trabalho [por causa de trabalho escravo encontrado em uma das fazendas], uma outra fiscalização do grupo móvel do MTE encontrou novamente escravos na Lima Araújo”, afirma Rocha. Além disso, a empresa já havia assinado um termo de compromisso na Justiça do Trabalho, garantindo que não haveria mais descumprimento da legislação trabalhista.

O caso do juiz Jorge Vieira tem semelhança com outro ocorrido este ano. No dia 21 de junho, o editor-executivo do Jornal do Commercio, de Pernambuco, Cícero Belmar, perdeu o emprego por ter autorizado a publicação de uma reportagem sobre a libertação de trabalhadores escravizados na Destilaria Gameleira. O JC não havia sido o primeiro a dar a notícia. Mas a fazenda citada no texto é de Eduardo Queiroz Monteiro, amigo pessoal do dono do Jornal do Commercio e proprietário da Folha de Pernambuco.

Colaborou Paula Gonçalves

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM