Resistência

Artigo – Ficou para a próxima legislatura

Relator admite que não tem votos para aprovar proposta que torna mais rigoroso o combate à exploração mão-de-obra escrava
Andrea Vianna
 05/01/2006

Dois anos após o assassinato de três auditores fiscais do trabalho e um motorista em Minas Gerais, o presidente Lula caminha para o fim do atual mandato sem alcançar uma das principais metas do Plano Nacional do Trabalho Escravo: mudar a Constituição para tornar mais rigoroso o combate à exploração da mão-de-obra escrava.

O prognóstico pouco animador é do próprio relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/2001, deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS). “Não vejo nenhuma perspectiva concreta para a votação ainda este ano. O tema é polêmico, ainda há muita resistência das classes conservadoras. Além disso, teríamos dificuldade de conseguir o quorum de mais de 307 deputados para apreciá-la”, admite Zimmermann. Para mudar a Constituição, são necessários 308 votos, em cada um dos dois turnos de votação na Câmara.

Sinal de que a proposta não tem chance de avançar nesta legislatura está na pauta da convocação extraordinária do Congresso. Os líderes partidários simplesmente deixaram de fora da lista de prioridades o projeto que prevê a desapropriação da propriedade onde for detectada a exploração de mão-de-obra escrava. Aprovado em primeiro turno em meados do ano passado pela Câmara, o texto também estabelece a destinação da terra para programas de reforma agrária e habitação popular.

Passados quase 120 anos desde a abolição da escravatura no Brasil, cerca de 25 mil pessoas ainda vivem em condições análogas à de escravo no país. Apesar de lançar mão de outros instrumentos de combate a esse tipo de crime, como a “lista suja” do Ministério do Trabalho – que relaciona os proprietários rurais autuados por explorar o trabalho escravo e inviabiliza a obtenção, por parte deles, de financiamentos em bancos públicos e privados –, o governo não trabalhou para acelerar a votação da PEC em 2005. Em parte, devido à crise política, mas, principalmente, por causa da pressão da bancada ruralista.

Ruralistas comemoram
Um dos coordenadores da bancada, o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) identifica vários aspectos da PEC que, segundo ele, inviabilizam a aprovação do texto. “Os parlamentares favoráveis à matéria confundem problemas de natureza trabalhista com trabalho escravo. Concordamos que o trabalho escravo existe, mas não na extensão que afirmam”, diz.

Para ilustrar o que considera tratar-se de um exagero dos defensores da medida, Heinze cita um exemplo. “Os fiscais chegam a uma fazenda com 30 empregados. Pelo número de trabalhadores, as normas trabalhistas exigem dois banheiros. Se um deles estiver estragado, os fiscais já multam como prática de trabalho escravo”, afirma. “Jamais seremos favoráveis ao trabalho escravo, mas precisamos impedir o preconceito contra o produtor rural”, ressalta.

O engavetamento da PEC é apenas mais uma das vitórias acumuladas pelos ruralistas na tramitação da proposta na Câmara. Com as emendas aprovadas na comissão especial, a bancada conseguiu, no mínimo, retardar o andamento do projeto. Após a votação em Plenário na Câmara – o que dificilmente ocorrerá em 2006 –, a matéria ainda terá de retornar ao Senado, para apreciação das alterações feitas pelos deputados.

A primeira emenda dos ruralistas acolhida pela comissão especial, da deputada Kátia Abreu (PFL-TO), acrescentou à PEC, originalmente voltada apenas para as propriedades rurais, a expropriação também das áreas urbanas onde se constatar a prática de trabalho escravo. Outra conquista da bancada foi a determinação de que a desapropriação somente ocorrerá após a sentença judicial transitada em julgado, para assegurar a ampla defesa e o direito ao contraditório dos acusados. O texto original do Senado falava em desapropriação “imediata” da propriedade.

Outra alteração remete à destinação dos terrenos expropriados. Antes das modificações da comissão especial, eles seriam destinados ao assentamento das vítimas do trabalho escravo. Agora, irão para a reforma agrária ou para programas de habitação popular.

“A idéia de que a terra ficasse para as famílias era simbolicamente boa, mas inócua, porque qualquer processo no Brasil demora, no mínimo, entre cinco e seis anos até o trânsito em julgado”, avalia o relator. “As famílias serão assentadas em outras terras, conforme o Plano Nacional de Reforma Agrária”, explica Zimmermann.

Outra emenda da deputada Kátia Abreu pretendia reter parte do bem a ser expropriado em benefício do cônjuge e dos filhos menores, se eles não tiverem participação, direta ou indireta, no trabalho escravo. Mas esta proposta foi rejeitada pela comissão.

“O problema é que a PEC defende uma ruptura do direito absoluto de propriedade, que a Constituição praticamente equipara ao direito à vida. Os setores mais conservadores da sociedade não querem mudar isso”, observa Zimmermann.

O que diz a proposta
De acordo com o texto aprovado em primeiro turno, as propriedades rurais e urbanas em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão desapropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem indenização ao proprietário, após sentença judicial transitada em julgado. Os bens de valor apreendidos, decorrentes da prática de trabalho escravo, rural ou urbano, serão destinados a um fundo especial, cuja aplicação dos recursos será disciplinada por lei infraconstitucional.

Perplexidade e falta de empenho
“Estou perplexo. Não vejo empenho do governo, nem das bancadas aliadas”, desabafa o Frei Xavier Jean-Marie Plassat, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (Conatrae). “Se for para levar à votação na atual conjuntura, sem chance de aprovação, sem acordos costurados previamente, prefiro que nem entre em pauta. A derrota significaria um prejuízo para o combate ao trabalho escravo”, avalia.

No mês passado, durante o lançamento da Campanha Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, em Brasília, Lula reafirmou o compromisso de mudar a Constituição para tornar o combate a esse tipo de crime mais rigoroso. Mas, nem assim, com promessa presidencial, prioridade governamental e mobilização da sociedade, a PEC saiu do limbo. “Não conseguimos condições políticas favoráveis para a votação. Sendo ou não prioridade do governo, o fato é que a correlação de forças na Câmara é desfavorável”, justifica Zi
mmermann.

Do site Congresso em Foco

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