Relatório do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas, conhecido como ISAAA na sigla em inglês, aponta o crescimento do cultivo de transgênicos no mundo entre 2004 e 2005, quando atingiu uma área de 90 milhões de hectares. O maior avanço ocorreu no Brasil. Apenas o plantio de soja geneticamente modificada cresceu 88% (de 5 milhões de hectares para 9,4 milhões de hectares), o que dá ao país o terceiro lugar em quantidade de lavouras desse tipos, atrás dos Estados Unidos e da Argentina. Mas se o avanço das lavouras transgênicas é uma realidade, também é verdade que o movimento de recusa a alimentos geneticamente modificados cresceu nos últimos anos.
“Se fizermos um cruzamento de dados, haverá uma grande contradição: há uma expansão da área cultivada e, por outro lado, há o aumento da rejeição dos consumidores aos transgênicos”, observa Gabriel Fernandes, assessor técnico e agrônomo da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).
Para ele, a iniciativa de países da União Européia de adotarem o cultivo de transgênicos, ap´so anos de resistência, faz parte de uma decisão política de evitar um confronto com os Estados Unidos. A Europa manteve por algum tempo a moratória ao plantio e consumo de transgênicos. Mas segundo Fernandes, a Comissão Européia teme que os EUA entrem com uma ação na OMC (Organização Mundial do Comércio) alegando que a questão da proibição dos transgênicos é questão apenas comercial e não de biossegurança. “Além disso, há o peso das empresas de biotecnologia, das quais muitas são européias”.
Ainda assim, a população européia vem rejeitando o consumo de OGMs. Em novembro do ano passado, a sociedade suíça votou pela proibição da comercialização no país por meio de referendo popular, mesmo com uma campanha forte para convencer a população a aceitar os transgênicos, uma vez que uma das maiores empresas de biotecnologia, a Syngenta, tem sua sede lá. “A tendência à rejeição é crescente”, acredita Fernandes.
Grande parte do mercado consumidor da UE tem os rejeitado bastante. Para Gabriel Fernandes, isso representa um risco econômico para quem os produz, pois depois de se investir nessa plantação, ela pode ser rejeitada pela Europa que é um grande mercado consumidor do Brasil.
Tanto na Itália como na Alemanha, há uma mobilização forte de produtores de determinadas regiões para criação de zonas livres de transgênicos. Municípios conseguem por meio da legislação local declarar que a região onde produzem são livres de OGMs, protegendo as suas áreas agrícolas e, logo, da contaminação das mesmas.
No Brasil, alguns municípios e estados conseguiram na Justiça leis que proíbem a produção local de transgênicos. A última cidade a obter esse direito foi Maria da Fé (MG) no ano passado. Além dela, outras cidades em Minas Gerais conseguiram a aprovação dessa lei: Belo Horizonte (2000) e Juiz de Fora (2001). Em São Paulo, Marília (2002) e Campinas (2003) seguiram o mesmo exemplo, assim como União da Vitória, no Paraná (2002).
Os estados que se incluem nessa lista contra os transgênicos são o próprio Paraná (2003), Rio de Janeiro (2002) e Santa Catarina (2002) que aprovou uma moratória prorrogável de cinco anos.
Expansão
Desde o primeiro plantio de transgênicos, em 1996, a área cultivada aumentou 50 vezes, de acordo com o ISAAA. No início, apenas seis países haviam adotado a tecnologia. Hoje, totalizam 21, sendo que só no último ano, houve a adesão de quatro novos países que liberalizaram a produção; Portugal e França retomaram o cultivo de milho modificado após cinco anos, e a República Tcheca e Irã inauguraram lavouras de milho e arroz transgênicos, respectivamente. “Esta elevada taxa de adoção, sem precedente, reflete a confiança de milhares de fazendeiros na biotecnologia”, comemora o relatório.
Num contexto de crise do setor agrícola, a forte campanha das empresas de biotecnologia que propõem menores custos de produção e maiores rendimentos acaba convencendo muitos agricultores. “No entanto, em dez anos de comercialização de transgênicos, não houve a comprovação das promessas das empresas de biotecnologia, como a diminuição dos custos, principalmente em relação aos agrotóxicos”, afirma Gabriel Fernandes.
Segundo ele, um ponto que deve ser considerado é o fato de os cultivos terem se espalhado pela ausência inicial de legislação de biossegurança. As empresas de biotecnologia usam brechas na lei ou a ausência delas como estratégia para permear novos mercados.
No Brasil, a primeira contaminação se deu por meio das sementes modificadas ilegais vindas da Argentina: agricultores compravam sementes mais baratas, não pagavam royalties e isso deu a falsa impressão de que os custos seriam menor plantando transgênicos, já que a prática não era oficializada. Depois com a lei de biossegurança e com a lei que obriga o pagamento de patentes, que ocasionaram em royalties, o cenário de produção se alterou.
Hoje, a soja e o algodão podem ser plantados no País. Após um caso de contaminação do algodão, em 2004, a CTNBio liberou a comercialização de até 1% de sementes transgênicas na variedade convencional algodão.
Fernandes utiliza esse caso para explicar a estratégia do “fato consumado”: uma vez que determinado plantio já foi contaminado, não importando como ocorreu essa contaminação, as empresas de biotecnologia pressionam as entidades governamentais para liberalizar o plantio de OGMs.
Essas empresas também têm a estratégia de focar suas ações em países que são grandes produtores de certos produtos e escolhem suas principais produções para planejar a disseminação de transgênicos. No Brasil e na Argentina, os transgênicos tiveram entrada através do cultivo da soja, que é um dos principais produtos de exportação e plantio dos dois países. Da mesma forma, ocorreu com o milho no México.
Atualmente, a China tem plantação de algodão transgênico, mas já testes sendo implementados para a produção de arroz modificado. Fernandes diz que se a o arroz chinês se tornar transgênico, considerando a população e a área de terras agricultáveis, “seria a glória para as empresas (de biotecnologia)”, porque o arroz não só é de grande produção no país, mas também é a base alimentar da maior população do planeta.
No Brasil e na Índia, antes de os OGMs entrarem nesses países efetivamente, as multinacionais de biotecnologia compraram as empresas nacionais que vendiam sementes e insumos. A intenção foi controlar a produção por meio das sementes e insumos da soja no Brasil e do algodão na Índia.
Contudo, hoje, há casos de agricultores indianos que estão processando as empresas por perda de safra, decorrente de problemas com transgênicos. Assim como em Bangladesh, que teve a produção de algodão permitida por três anos para avaliação das vantagens e desvantagens da espécie modificada. Depois de um balanço, constatou-se que houve perdas e os custos de produção não foram compensadores. O país determinou, então, a proibição desse tipo de cultivo.
Hoje, um novo alvo das indústrias é o continente africano. Segundo Fernandes, a entrada de transgênicos lá ocorre de duas formas. A primeira é via ajuda alimentar de soja e milho geneticamente modificados enviada pelos Estados Unidos às populações pobres. A outra é a utilização da África do Sul como centro de difusão da tecnologia. “O país é um grande viveiro de OGMs. A idéia é que ele seja multiplicador e propagador dos transgênicos na África”, afirma. Quase nenhum país no continente tem uma legislação que cuide dessa questão. A própria ISAAA tem uma das suas sedes localizada em Nairobi, no Quênia.
A retração na expansão no plantio de transgênicos depende da vontade do governo de fiscalizar e cumprir a lei de biossegurança. Fernandes afirma que é preciso ser mais enfático no que se refere à lei de rotulagem que não está sendo aplicada, o que tem impedido o poder de escolha do consumidor final, que muitas vezes não sabe que o produto que está comprando tem como matéria-prima um transgênico. Além disso, Fernandes acredita que grande parte da aceitação da soja modificada no Brasil também se deve por se destinar à ração animal.
Por outro lado, muitas empresas alimentícias, como a Coca-Cola, Nestlé e Inbev, têm banido transgênicos de suas produções. “Isso é uma tendência crescente e há um movimento muito forte pela clareza e transparência do uso dos transgênicos”, lembra ele.
Sobre o ISAAA
O Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicos (ISAAA) é uma entidade fundada por empresas de biotecnologia, como a Monsanto e Syngenta. Atualmente, entre outras instituições que financiam a ISAAA, essas mesmas empresas são responsáveis por angariar fundos para a entidade.
“A ISAAA é uma entidade de promoção dos transgênicos. Ela tende a inflar os números com a finalidade de mostrar o aumento da aceitação dos produtos transgênicos”, avalia Gabriel Fernandes, assessor técnico e agrônomo da AS-PTA.
De acordo com Fernandes, esses dados são as únicas estatísticas sobre transgênicos e são as que usadas como referência no mundo todo, inclusive no Brasil. Não existe nenhuma outra fonte que sirva de contrapartida ou que conteste os dados. “O MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) usa esses números quando trata dos transgênicos. O País não possui nada de oficial”, afirma.
Da Agência Carta Maior