O agronegócio brasileiro bateu novo recorde de exportações em 2005, totalizando US$ 43,6 bilhões. O resultado foi 11% superior ao de 2004, quando a balança registrou US$ 39,016 bilhões, segundo dados divulgados dia 6 de janeiro pela Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio, do Ministério da Agricultura. Os produtos que mais contribuíram com o aumento das exportações foram açúcar e álcool (49%), café (42%), carnes (31%) e papel e celulose (17%). As vendas externas da cadeia produtiva do agronegócio representaram 37% das exportações totais brasileiras. Segundo o Ministério da Agricultura, a principal causa do novo recorde foi o elevado crescimento da economia mundial, que teria provocado maior demanda por bens e aumento nos preços dos produtos. Esse desempenho poderia ter sido ainda melhor se não fossem os problemas de preço, da seca que atingiu o sul do país e da febre aftosa que afetou as exportações de carne. O novo recorde é uma ótima notícia para o Brasil, dizem todas as vozes. Sobre o custo dessa marca, reina o silêncio.
O impacto ambiental da expansão desenfreada do agronegócio no país não é tratado como uma variável economicamente relevante. Os desequilíbrios climáticos, que acabam por afetar esse mesmo agronegócio, são tratados como fenômenos descolados da implementação de um modelo produtivo que destrói progressivamente a natureza, solapando suas próprias condições de sobrevivência no médio e longo prazo. Mas o que importa a esse modelo é apenas o curto prazo, a máxima obtenção de lucro no menor tempo possível. Só assim, o país poderá gerar empregos e desenvolver-se, dizem seus defensores. O caráter falacioso do argumento anda de mãos dadas com a cegueira de seus locutores. A destruição de rios, banhados, solos, matas e florestas, a degradação da qualidade do ar e da água, a contaminação química no ambiente e nos próprios alimentos, são fatores lançados, mais ou menos explicitamente, na agenda dos “obscurantistas inimigos do progresso”. Mas qual é mesmo o custo “oculto” (ocultado seria melhor dizer) da expansão do agronegócio para o Brasil e sua população?
Pantanal ameaçado
A expansão do agronegócio ameaça destruir a vegetação do Pantanal em um prazo de 45 anos. O alerta consta do estudo intitulado Estimativa de Perda de Área Natural da Bacia do Alto Paraguai e Pantanal Brasileiro, elaborado pela organização não-governamental Conservação Internacional (CI-Brasil). Com uma devastação média anual de 2,3%, em 45 anos, a maior planície alagada do mundo poderá desaparecer. Pesquisadores da entidade analisaram imagens de satélite e compararam a proporção da área que ainda tem vegetação nativa em relação àquela que já perdeu a cobertura vegetal original. O relatório aponta que, até 2004, cerca de 44% da região analisada teve a vegetação original descaracterizada. Dos 87 municípios brasileiros incluídos na Bacia do Alto Paraguai, 59 tiveram mais da metade de seus territórios devastados e 28 apresentaram entre 12% e 49% de desmatamento.
A situação é considerada crítica para 22 municípios que desmataram mais de 80% de suas áreas. Destes, 19 tiveram mais de 90% da vegetação original destruída. A pesquisa também mostra que cerca de 17% da cobertura vegetal original do Pantanal já foi destruída. O Estado do Mato Grosso do Sul é responsável por cerca de dois terços deste índice. O Mato Grosso responde pelo restante. Ainda segundo a pesquisa, o desmatamento chega a atingir 45% da área total da Bacia do Alto Paraguai. Com cerca de 250 mil quilômetros quadrados, a região do Pantanal é um grande delta interno irrigado por vários rios. A transformação deste território em zona de pecuária e de plantação de soja é o principal fator responsável pela destruição de 17% de cobertura vegetal. Segundo o estudo da Conservação Internacional, a devastação destas áreas e a degradação do solo estão comprometendo os ciclos hidrológicos que determinam os processos de inundação e seca dos terrenos, responsáveis pela riqueza biológica da região, onde vivem cerca de 4.800 espécies de flora e fauna.
Desmatamento de Norte a Sul
O coordenador-geral do Programa Pantanal do Ministério do Meio Ambiente, Paulo Guilherme Cabral, admitiu que a expansão da pecuária e do cultivo de soja é responsável pelo maior ritmo de desmatamento no Pantanal. Com a perda de rentabilidade da pecuária de um modo geral, os proprietários tendem a aumentar a área útil de pastagem para aumentar o rebanho, observou o coordenador do programa. Diferentemente do que ocorre na Amazônia, agricultores e pecuaristas no Pantanal podem devastar até 80% de suas propriedades, exceto quando suas terras ficam em áreas de preservação permanente. Na Amazônia, só podem ser desmatados 20% das áreas totais das propriedades. Isso não livra, porém, a região amazônica da destruição ambiental. Segundo estimativas do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), mais de 12% da floresta já foi derrubada nas últimas décadas.
Os pesquisadores do Inpa avaliam que o desmatamento na região causa prejuízos irreversíveis para a biodiversidade e já podem ser apontados como responsáveis diretos por mudanças climáticas, com alterações inclusive no regime de chuvas da Amazônia. Tudo isso não representa obstáculo para agricultores, pecuaristas, madeireiros, industriais e mineradores continuar a exploração econômica dos recursos da região, sem qualquer preocupação efetiva com o impacto ambiental. Problemas similares são enfrentados no outro extremo do país, na região Sul, que vem sofrendo sucessivas secas no início de cada ano. O fenômeno ocorreu pesadamente no ano passado, causando pesadas perdas econômicas, especialmente no Rio Grande do Sul, e já começa a se repetir em 2006. O avanço da monocultura da soja no Estado causou uma grande destruição de vegetação nativa e hoje é possível andar quilômetros pelo interior tendo fundamentalmente lavouras como cenário.
Cerrado e Mata Atlântica ameaçados
O Brasil possui hoje 2 dos 34 ecossistemas mundiais mais ameaçados. A Mata Atlântica e o Cerrado estão progressivamente desaparecendo, segundo dados da Conservação Internacional, divulgados no início de 2005. Desde o descobrimento do Brasil, cerca de 92% da vegetação da Mata Atlântica foi destruída. No caso do Cerrado, que começou a ser ocupado nas últimas décadas, a destruição é ainda mais rápida, restando hoje apenas 22% da cobertura original. A monocultura da soja, as plantações de algodão e milho e a agricultura mecanizada como um todo são os principais fatores responsáveis pela destruição ambiental da região. As áreas mais ameaçadas, segundo estudo da mesma entidade, estão no sul do Maranhão e do Piauí e no oeste da Bahia. A situação da Mata Atlântica apresentou uma pequena melhora nos últimos anos, com a redução da pressão de atividades econômicas sobre territórios preservados. Mas se, por um lado, a pressão diminuiu aí, por outro, ela se deslocou para outras regiões, como é o caso do Cerrado e da Amazônia.
Números como estes são divulgados todas as semanas pela mídia. Há um reconhecimento da gravidade da situação ambiental, mas ela ainda é largamente subordinada a exigências econômicas de curto prazo. No caso do agronegócio, essa subordinação é exemplar. Permanece o forte o consenso em torno de uma mesma receita para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de um país: aumento das exportações, abertura do mercado de capitais, moedas conversíveis, privatização, desregulamentação da economia e livre comércio. Esse modelo é sugerido a praticamente todos os países, independentemente de particularidades locais e regionais. Os indicadores sociais, ambientais e econômicos da economia global mostram, porém, que a receita não oferece o que promete. No período em que esse modelo foi aplicado em larga escala – entre 1988 e 1993 – o mundo tornou-se mais desigual e aumentou a destruição ambiental, apontam dados do próprio Banco Mundial.
Uma contabilidade suicida
Neste período, os níveis médios da sociedade ganharam 10% de riqueza em relação aos pobres, enquanto que os mais ricos ganharam 23% em relação aos setores médios. A situação ambiental também se deteriorou. No último quarto de século, surgiram 13 novas doenças infecciosas, decorrentes de desequilíbrios ambientais, com um custo estimado de 550 bilhões de dólares para a saúde pública. No Brasil, segundo avaliação da Agência Nacional de Águas (ANA), cerca de 70% dos cursos de água, entre o Rio Grande do Sul e a Bahia – região que concentra a maior parte da produção agrícola do país – estão contaminados por agrotóxicos e outros produtos químicos. Esses números tornam mais atual do que nunca uma velha questão: em que consiste mesmo o progresso de um país? Vale a pena tornar-se um dos maiores produtores agrícolas do mundo, como é o caso do Brasil, pagando o preço de ser também um dos maiores consumidores de agrotóxicos e um dos maiores destruidores do meio ambiente?
Vale a pena tomar a economia dos EUA como um modelo a ser seguido, quando ela, para fabricar o seu PIB, gasta o dobro de energia que o Japão e a União Européia juntos? Que tipo de desenvolvimento e de futuro esses indicadores estão mostrando exatamente? A manifestação mais evidente dos efeitos do desequilíbrio climático ao longo de 2005 aumentou, junto à população, a percepção de que algo vai muito mal. Mas a ideologia do progresso a qualquer custo ainda é hegemônica. Mais ainda no caso do agronegócio, cantado em prosa e verso como um dos carros-chefe da economia brasileira. De fato é, do ponto de vista estritamente econômico (dentro daquilo que a concepção atual de economia aceita). Mas essa economia está gerando que tipo de sociedade? Uma das recomendações aprovadas por 170 chefes de Estado, durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), defendeu a necessidade de adoção de sistemas de contabilidade nacional mais abrangentes, incluindo critérios sociais e ambientais, e não apenas monetários. Permanece no papel. A contabilidade suicida dos economistas segue dando às cartas, enquanto assistimos todos os dias na televisão, meio atordoados, a contínua destruição das principais riquezas naturais do país e do planeta.
Da Agência Carta Maior