Cargill terá que realizar estudo de impacto ambiental de porto no PA

Multinacional de sementes é condenada a realizar estudo de impacto ambiental do seu porto construído ilegalmente em 2003 em Santarém (PA), para escoamento da soja amazônica. Os resultados do Estudos de Impacto Ambiental e a ação do Ministério Público podem determinar a suspensão das atividades portuárias
Por Natália Suzuki
 22/02/2006

A multinacional norte-americana Cargill, uma das maiores empresas do setor da soja, foi condenada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a realizar Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para o seu porto graneleiro instalado às margens do rio Tapajós, no município de Santarém, Pará. A decisão, assinada no começo deste mês, também condena o estado do Pará – responsável pelo licenciamento do porto – a recuperar qualquer dano ambiental comprovado na área.

“A Cargill foi condenada sem chance de recurso”, afirma o procurador da República de Santarém, Renato Rezende Gomes. Segundo nota do Ministério Público, a empresa ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, mas os recursos não podem suspender a obrigação de realizar o EIA, que deve ser iniciado imediatamente.

Essa decisão da Justiça se refere a uma ação civil pública de maio de 2004, que pedia a realização do estudo. Mas a Cargill sempre se valeu de recursos que barravam ou retardavam as determinações judiciais que pudessem obstruir a construção e, posteriormente, o funcionamento do porto.

Sem a realização do EIA pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a Cargill não poderia ter construído o porto, mas o fez, baseando-se em autorizações de liminares e violando a legislação ambiental. “A função do EIA é mostrar se a obra é viável ou não antes da sua construção”, explica André Muggiati, campaigner da ONG Greenpeace. “A Cargill descumpriu completamente a legislação e a Constituição brasileira”, afirma.

O procurador Renato Gomes lembra que a empresa chegou a fazer um estudo de impacto ambiental bastante simplificado antes de começarem as obras e o apresentou à Sectam (Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente), órgão do governo do Pará, que autorizou a construção do porto antes que o estudo do Ibama ficasse pronto. “A Cargill tinha muita pressa e interesse em ter o porto funcionando devido aos investimentos e ao retorno financeiro, e por isso recorreu ao órgão”. Segundo o procurador, o próprio estado do Pará tinha grandes interesses para que o porto começasse a gerar receita para o estado. A única empresa que compareceu à licitação foi a Cargill. “Eles podiam ir realizando o estudo, enquanto não fosse julgado [na Justiça] o mérito da questão”, diz o procurador.

O porto, que recebeu investimentos no valor de R$ 20 milhões, tem 580 metros de extensão e começou a funcionar em novembro de 2003. Nessa época, a liminar que permitiu a construção do terminal foi suspensa e as atividades da Cargill foram interrompidas. Mas logo no início de 2004, a empresa conseguiu outra liminar para voltar a funcionar.

Impactos
Os impactos ambientais e sociais que o porto provocou no município foram inevitáveis. A empresa ignorou a existência do sítio arqueológico no local e os possíveis danos causados a ele e ao rio Tapajós.

O procurador enfatiza que houve o aumento da população local, assim como a circulação de caminhões. O porto atraiu agricultores e soja, acelerando a expansão da fronteira agrícola na região. O Greenpeace acrescenta: “os impactos ambientais são visíveis. Um estudo mostrou que, entre 2003 e 2004, foram 50 mil hectares de desmatamento. É um desmatamento crescente principalmente para plantar a soja, que não estaria lá, se o porto não estivesse na cidade”, diz Muggiati.

Hoje o porto é a única via para escoar a soja da região para o mercado externo. “Tem a via rodoviária que está em péssimas condições. Economicamente, o porto é a única forma viável”, avalia Gomes.

De acordo com o procurador-chefe do MPF no Pará, Ubiratan Cazetta, o EIA não pode ser limitado apenas aos impactos na orla da cidade de Santarém. “Vai ter que mensurar os impactos em toda a região oeste do Pará”, analisa. Cazetta explica, em nota do MP, que a Cargill vai ter que dimensionar os impactos causados por ela e, a partir disso, medidas compensadoras serão determinadas.

Segundo as normas do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), o estudo pode ser realizado pelo próprio empreendedor, no caso, a Cargill. De acordo com o procurador, técnicos do Ibama compõem a equipe que fará o EIA. “Com o poder econômico, acredito que a empresa faça o estudo rapidamente”, diz Gomes.

Muggiati diz que o fato de a própria empresa ser responsável pela elaboração do EIA, mesmo terceirizando o serviço, compromete completamente a isenção dos resultados do estudo. “No Brasil, o EIA só existe para cumprir tabela. Todos os casos que eu acompanhei, acabaram aprovando as obras com algumas restrições”, lamenta.

“O porto deveria ser fechado não só até a conclusão do EIA, mas caso se confirme que os impactos ambientais são maiores que os benefícios causados pelo porto, deveria fechar definitivamente. O estudo não pode existir só para cumprir tabela”, diz Mugiatti.

Gomes afirma que, teoricamente, não poderia haver atividade no porto sem o estudo concluído. “Mas a sentença da primeira instância não determinava a paralisação das atividades. Não podemos dizer imediatamente que o porto será fechado. Essa é uma das possíveis conseqüências”, diz Gomes.

O pedido da Justiça de execução da decisão cabe ao MP. O procurador de Santarém afirma que há uma negociação para cumprir a decisão. “A intenção do MP não é demolir o porto. Não sei se a paralisação das atividades até a conclusão do estudo de impacto ambiental é a melhor estratégia, porque pode ser altamente prejudicial. Tenho que ver se é melhor para a sociedade paralisar o porto, pois haveria um choque na economia e um impacto na população de Santarém”, avalia.

O procurador admite que os empregos gerados diretamente pelo porto não são muitos, por ele ser muito mecanizado, mas acredita que há uma dependência empregatícia indireta. Muggiati contraria: “Apesar de ter essa propaganda de geração de empregos, a Cargill nunca prestou contas de quantos empregos ela gera. Se pesar a realidade em Santarém, a presença do porto gera desemprego”. Segundo o campaigner da organização ambientalista, o porto e o avanço da monocultura mecanizada da soja deslocou os pequenos proprietários de suas terras, que tiveram que vendê-las para grandes proprietários ou foram expulsos por grileiros. O fenômeno contribuiu para a concentração fundiária do agrobusiness. “Além disso, a Cargill traz pessoas de fora da cidade para ocupar os cargos da empresa, porque ela requer uma qualificação que não se encontra aqui em Santarém”, explica Muggiati.

Da Agência Carta Maior

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