Se não fosse a resistência dos povos indígenas, 3,5 milhões de hectares da Floresta Amazônica que hoje estão em pé estariam completamente devastados. A estimativa aparece como um dos principais destaques de estudo produzido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e resulta de uma projeção dos índices de desmatamento induzidos por fatores como presença de estradas, acesso fluvial, densidade populacional e o próprio avanço de áreas desflorestadas, para um cenário hipotético de inexistência de Terras Indígenas (TIs) na região.
O “Diagnóstico sobre Terras Indígenas Ameaçadas na Amazônia”, lançado nesta terça-feira (15), aponta ainda que 74% das TIs possuem taxas de desflorestamento menores do que as suas respectivas áreas do entorno. “A pressão é grande e estamos resistindo. Mas até quando poderemos segurar isso?”, questiona João Neves, do povo Galibi-Marworno, coordenador do departamento etnoambiental da Coiab, setor responsável pelo estudo. De acordo com ele, a diferença entre a proporção de verbas públicas federais destinadas às Unidades de Conservação (UCs) e às TIs dão uma idéia da dificuldade enfrentada pelos indígenas. Para as UCs, a média é de R$ 1,02 por hectare, enquanto que para as áreas indígenas, esse mesmo índice cai para R$ 0,57 por hectare. Mesmo assim, o levantamento em parceria com a organização não-governamental (ONG) Instituto de Conservação Ambiental (TNC), revela que enquanto a taxa de desmatamento nas Unidades de Conservação Federais é de 1,52%, nas Terras Indígenas esse total cai para 1,10%. Vale ressaltar ainda que as TIs ocupam 90 milhões de hectares (20% do território total da Amazônia Brasileira), em comparação com a área de 65 milhões de hectares das UCs federais.
Em alguns casos específicos, essa tendência de preservação das áreas que fazem parte de TIs é absolutamente gritante. Levando-se em conta os aspectos indutores de devastação sobre a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, o índice de desmatamento esperado teria de ser aproximadamente de 19% da área interna. Os pesquisadores, juntamente com a participação dos povos indígenas locais, verificaram um percentual de destruição de apenas 0,9%.
“Os povos indígenas trabalham pensando no futuro. As roças são feitas para não explorar, não ganhar dinheiro. A monocultura é a grande responsável pela devastação da Amazônia. Com os povos indígenas isso não acontece, porque as roças são feitas em pequenas escalas para garantir a sobrevivência familiar. Elas são feitas e logo abandonadas e a floresta cresce no local novamente”, explica o coordenador-geral da Coiab, Jecinaldo Barbosa Cabral, do povo Saterê Mawé. “O modo de o índio lidar com a terra é tradicional. Historicamente, as terras indígenas detêm essa maneira sábia de conviver com o meio ambiente, a terra é sagrada para sobrevivência, a terra é mãe; dela se tira o que se bebe e o que se come”.
O grande diferencial do estudo está no cruzamento dos dados de geoprocessamento colhidos por meio de imagens de satélites com informações sobre a realidade local fornecidas pelas associações de base da Coiab – entidade que reúne cerca de 100 organizações, num total de 165 povos indígenas de nove estados da Amazônia Legal. A participação dos povos indígenas, aliás, se deu desde a elaboração da estrutura do formulário aplicado nas comunidades até a sistematização dos dados por jovens indígenas que passaram por cursos de formação. O departamento etnoambiental da entidade está inclusive desenvolvendo um sistema de informação geográfico próprio, com o objetivo de realizar diagnósticos, monitoramento e planejamento ambiental futuros.
O coordenador de Políticas Públicas Indígenas e Indigenistas do TNC, Hélcio de Souza, afirma que, para a organização, a pesquisa, resultado de um trabalho de dois anos, ocupa a categoria de prioridade. “Nos últimos anos, ficou muito evidente o papel das Terras Indígenas na proteção não só da Amazônia, como de outros biomas como o Cerrado, a Caatinga e o Pantanal”, observa.
O estudo, na opinião dos representantes da Coiab, referenda mais uma vez que as homologações de Terras Indígenas são fundamentais para a preservação da Amazônia e evidencia a necessidade de investimentos do governo na área de proteção. Eles pedem recursos específicos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), gerido pelo Banco Mundial, para a implementação de estratégias de proteção de TIs acertadas com os indígenas conforme cada realidade, como já ocorre, por exemplo, na Terra Indígena São Marcos, em Roraima.
As atuais políticas públicas infelizmente não têm impedido as invasões de TIs e a exploração de recursos naturais nessas áreas, relata o coordenador da entidade. “Há grande risco em algumas comunidades, que são frágeis perante o agronegócio”, emenda Barbosa, enfatizando a vulnerabilidade a ação de grileiros, madeireiros, fazendeiros, etc., em especial na região do chamado Arco do Desmatamento. “A realidade é dura. Mas não é só a floresta bonita que precisa ficar em pé. Os povos indígenas pagam muito caro [pelos efeitos na cultura, nos valores]”, lembra, conferindo relevo para a questão de fundo do reconhecimento e valorização do componente humano na proteção das Terras Indígenas. Três de cada cinco indígenas que vivem no Brasil se encontram na região amazônica.
*colaborou Natália Suzuki.
Da Agência Carta Maior