Ordenamento fundiário caminha a passos lentos no Pará, dizem ativistas

Depois do assassinato de Dorothy Stang, a cidade de Anapu vem recebendo atenção especial do governo federal. No entanto, CPT avalia que muitos problemas permanecem intocados na Terra do Meio. Unidades de conservação também não foram regularizadas, afirmam ativistas
Por Verena Glass
 13/02/2006

Um ano após o assassinato da missionária Dorothy Stang em Anapu, no sul do Pará, a conjuntura “socioterritorial” da região aparenta uma leve melhora em seu estado geral, principalmente em função de uma concentração de esforços, por parte do governo federal, para implementar projeto socioambientais capazes de mitigar os conflitos fundiários.

Por outro lado, o modelo de desenvolvimento aplicado ao Estado, calcado em grandes projetos agroindustriais, florestais e de mineração, assim como os ainda insuficientes recursos financeiros e humanos disponibilizados pelos governo, no entanto, possibilitou ou não impediu, entre fevereiro de 2005 e fevereiro de 2006, a morte violenta de outras 18 lideranças sociais como Irmã Dorothy, e pouco contribuiu para a garantia de fato de uma vida sem sustos para pequenos agricultores e comunidades tradicionais, avaliam entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (Fetagri).

As duas entidades concordam que houve um avanço no ordenamento territorial na região de Anapu, mas a regularização das áreas e a titulação dos comunitários, pequenos agricultores ou extrativistas das reservas criadas em 2005 (Resex Verde para Sempre e Riozinho do Anfrisio) ainda sofrem de grande morosidade, afirma Marta Suely, da coordenação regional da Fetagri.

Ordenamento
Em relatório sobre a região de Anapu elaborado em meados de dezembro de 2005, o Incra do Pará apresenta dados sobre a criação de três Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDSs, principal foco de ação da Irmã Dorothy) e afirma que, ainda em 2004, foram firmados dois contratos no valor de R$ 188,2 mil que permitiram a demarcação topográfica dos perímetros dos PDS Anapu I e III. Segundo o Incra, com o georreferenciamento feito pelo Exército no ano passado, todos os PDSs já tiveram os perímetros delimitados, incluindo as áreas de reserva legal, equivalente a 275 km demarcados.

Ainda de acordo com o Incra, o trabalho de georreferenciamento nas glebas Bacajá, em Anapu, e Belo Monte, nos municípios de Anapu e José Porfírio, já foi concluído. “Ao todo, foram georreferenciados 800 mil hectares – 450 mil da gleba Belo Monte e 350 mil da Bacajá – sendo que desta última, quase 100 mil hectares vão ser destinados para a Reforma Agrária”, afirma o relatório.

“Anapu é o município com maior número de imóveis vistoriados e com processos de desapropriação atualmente em curso. São sete lotes localizados nas glebas Bacajá e Belo Monte, com área total de 19,1 mil hectares, onde serão criados novos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDSs) capazes de assentar 210 famílias. Em Tailândia, nordeste do Pará, a vistoria realizada pelo Incra constatou que a Fazenda Pindorama II não vinha cumprindo a função social prevista pela Constituição Federal; a área, de 1,3 mil hectares, reivindicada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tailândia, vai ser destinada à criação de um projeto de assentamento para 27 famílias”, afirmou ainda o Incra, em nota no final do ano passado.

Em relação ao atendimento aos agricultores e os conflitos com fazendeiros, o Incra garante que, após o assassinato da missionária Dorothy Stang, a Justiça Federal de Marabá concedeu três imissões de posse a seu favor – “especificamente os lotes 108 e 129 da Gleba Belo Monte e o lote 55 da Gleba Bacajá, onde ocorreu o assassinato da religiosa”. A respeito deste último, dois dias antes do aniversário da morte de Dorothy, neste domingo (12), uma força-tarefa do Incra, do Ministério Público e da Polícia Federal iniciaram o processo de retirada dos ocupantes que não seriam clientes da reforma agrária do lote.

Promessas
Já no final do ano passado, o Incra prometeu dar prosseguimento ou encaminhamento a uma série de processos de desapropriação, começando com cinco imóveis nos municípios de Tailândia e Anapu (num total de 12,17 mil hectares com capacidade para assentar 147 famílias). O Comitê de Decisão Regional (CDR) da superintendência de Balém também teria definido a criação do Projeto de Assentamento Baía do Sol, do MST, na ilha de Mosqueiro, Belém, através de mandado de imissão na posse da Justiça Federal.

“Os cinco pedidos de desapropriação [de Tailândia e Anapu] se somam a sete outros, com área próxima de 21,6 mil hectares, que já foram encaminhados à Brasília, no dia 07 de dezembro, para preparação dos decretos de desapropriação. Ainda no mês de dezembro [de 2005], o Diário Oficial da União, edição do dia 08, publicou decretos assinados pelo presidente Lula autorizando a desapropriação, para fins de reforma agrária, de seis fazendas localizadas em municípios do nordeste paraense; os seis lotes desapropriados somam cerca de 62 mil hectares, e capacidade de assentamento para 1,9 mil famílias”, afirmou o Incra, através de seu informe em 23 de dezembro.

Apesar do otimismo demonstrado pelo órgão, as organizações sociais têm mantido uma posição crítica quanto à eficácia das medidas. Segundo a ONG Greenpeace, a promessa de criação de um mosaico de unidades de conservação (UCs) entre os rios Xingu, Tapajós e a rodovia Transamazônica, na região da Terra do Meio, e a interdição de 8 milhões de hectares para a criação de áreas protegidas às margens da BR-163 (Cuiabá-Santarém) não foi cumprida a contento, e nas poucas Unidades criadas não houve qualquer medida de implementação.

Segundo Marta Suely, da Fetagri, a criação das Resex Verde para Sempre e Riozinho do Anfrisio, por exemplo, foi recebida com muita comemoração pelas comunidades locais, mas até agora o Ibama não tomou nenhuma medida de regularização das áreas, como a sua verificação e demarcação, a retirada de não-extrativistas, a organização de planos de exploração e manejo etc.

Já a CPT afirmou, em nota divulgada neste fim de semana, que “os trabalhadores continuam indignados ao ver o governo comemorando a regularização fundiária de milhares de assentados no Pará, que infelizmente não são das áreas de conflitos e nem sequer das áreas oriundas de grilagem e de latifúndios improdutivos”. E conclui: “quem continua mandando no campo paraense são os fazendeiros, grandes proprietários de terra e os grileiros. Os camponeses continuam na sina da resistência, da força de construírem com as suas próprias mãos e também com o seu sangue (em dezenas de casos) a Reforma Agrária, justa e necessária”.

Da Agência Carta Maior

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