Da aldeia para a metrópole

 13/03/2006

A roça, a seca, as serras. Ser um índio e precisar mais do que de terra. Ter a terra demarcada invadida em parte por posseiros. Ver o pai cheio de filhos sem poder criá-los. Desembarcar no asfalto. José Manoel de Oliveira tinha dezoito anos e era o filho mais velho de uma família muito grande. Assim, novinho, quando ainda era conhecido como Zé de tia Bárbara, foi enfrentar a cidade grande. "Eu viajei para São Paulo para arrumar como sobreviver e ajudar meu pai a criar os filhos mais novos". Naquela época, meados da década de 50, muitos índios pankararu começavam a deixar sua aldeia em Pernambuco para tentar a sorte na capital paulista.

Zé de tia Bárbara não conhecia ninguém na cidade. "A gente ia assim, com uma fé em Deus, sabe?". Não demorou muito para arrumar um emprego na construção civil. Seus novos colegas de trabalho acharam-no diferente, com jeito de índio. Foi daí que veio o apelido que carrega até hoje: Zé Índio. "Eu não posso esconder de ninguém que sou índio, não nego. Eu me sinto feliz de ter esse nome".

Junto com o orgulho de sua identidade, sentia falta das festas que acontecem quase o ano todo na sua aldeia, no Brejo dos Padres. As lembranças da Festa do Embu, do Menino do Rancho, dos Encantados, das danças dos praiás, da festa de Santo Antonio e das romarias faziam com que a saudade só aumentasse. "Eu gosto muito da igreja, sabe? E da religião indígena também. Porque meus antepassados todos eram índios, e meu bisavô foi o primeiro pajé pankararu".

O tempo de trabalhar na roça chegava e era vez de emprestar seus braços para a colheita: voltava para ajudar a família. Depois, retornava para São Paulo. Em uma dessas idas à aldeia, casou-se com Amélia. E os filhos foram chegando. Têm onze vivos. Difícil de acreditar, mas Amélia ficou grávida quatro vezes de gêmeos.

E Zé Índio teve que retomar o movimento de vai e vem entre Pernambuco e a capital paulista. "Fiz calo nessa mão de carregar uma mala pendurada nela, da aldeia pra São Paulo, de São Paulo para a aldeia. Fazia aquilo pra criar meus filhos". Na roça, depois da colheita, batia o feijão, fazia farinha da mandioca e, quando terminava, deixava tudo em casa e voltava para a cidade. Lá, trabalhava para comprar roupa, calçado, essas coisas assim. "Como é que vai ter condições de botar esses filhos pra estudar e não ter trocado na hora que quiserem fazer um lanche? Tem que sair pra trabalhar. Porque, se for vender o que tira da roça, fica sem comer".

Em 1995, mais de quarenta anos depois, voltou definitivamente para o Brejo dos Padres. A idade dificultara a busca por emprego em São Paulo. Se pensava em ficar lá para sempre? "Dou muito valor ao meu lugar, nunca tive vontade de abandonar o meu lugar de uma vez. A gente sai porque precisa". Ainda trabalhou um tempo na cidade de Itaparica, vizinha da aldeia. Gostava de trabalhar lá porque a família podia ficar toda junta.

Hoje, numa espécie de ciclo que não se esgota, são seus filhos que estão espalhados pelo Brasil, a trabalho ou estudando, em Minas Gerais, Mato Grosso, no litoral paulista e nas proximidades da aldeia. Um deles está em São Paulo, faz faculdade de letras e sonha em poder dar aula no lugar onde nasceu. "Na formatura dele, se Deus quiser, ele vem pra cá e nós vamos fazer uma festa. Se Deus quiser"

Voltar para a matéria Índio na cidade

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM