O tema do desenvolvimento voltou à pauta em diversos espaços com a aproximação do processo eleitoral deste ano. O assunto foi tema de seminários no Congresso e motivou a criação de um centro de estudos em homenagem ao prestigiado economista brasileiro Celso Furtado (Brasil precisa correr para não perder chance, dizem especialistas ). Até o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social voltou a ganhar destaque na mídia como espaço importante de debate sobre um projeto nacional. Mas não foi apenas no governo, nas rodas de intelectuais e nos partidos que o tema ganhou visibilildade. Na sociedade civil, a necessidade de abandonar as análises e propostas setoriais para o debate de um projeto para o Brasil vem ganhando força.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) abriu seu encontro nacional, na semana passada, com debates sobre a Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos. Em duas mesas, palestrantes e integrantes do movimento criticaram o viés economicista das concepções que tratam o desenvolvimento apenas como crescimento econômico e reafirmaram que o desenvolvimento real, com viés humano e sustentável, não pode estar dissociado da promoção dos direitos humanos e da efetivação da democracia, para além de um conjunto de regras como um efetivo conjunto de relações que divida o poder e coíba qualquer forma de desigualdade.
"Os direitos humanos só acontecem quando o ser humano passa a ser ator, quando a democracia deixa de ser formal e passa a ser ativa e participativa", comentou o professor Sérgio Haddad, da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), na conferência de abertura do evento. Para Haddad, a realização plena dos direitos de homens e mulheres não pode acontecer de forma tutelada por qualquer poder, mas deve ser obra da autodeterminação destes sujeitos no processo de construção de suas concepções sobre a dignidade humana. Na opinião de Carla Batista, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), mais do que constructos históricos de lutas travadas ao longo dos séculos, os direitos humanos são marcos políticos da utopia de milhares de homens e mulheres que não se conformam com a sociedade atual e sonham com novos mundos.
O mesmo caráter histórico e de resultado da ação humana foi creditado a outro conceito em discussão no encontro do MNDH. "A democracia é uma condição social, é um conjunto de relações entre os indivíduos e a coletividade e não regras e procedimentos", afirmou Maria Júlia Deptuski, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Em sua análise sobre este conceito que hoje caracteriza o sistema de organização política hegemônico no planeta, a integrante do MNMMR fez questão de marcar as diferenças entre a luta por uma relação igualitária entre as pessoas e a condição formal dos códigos e legislações dos países que compõe as regras da democracia capitalista de origem ocidental. Ela destacou a dificuldade da segunda dimensão incorporar a primeira e defendeu que isso só acontece quando o povo organizado se mobiliza. O posicionamento de Maria Júlia foi reforçada pelo Padre Paulo Claret, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). "Esta democracia é de fachada e não garante os direitos do povo. Somente na rua é que podemos mudar isso". Ele citou como exemplo o episódio recém-acontecido do encontro mineiro de movimentos sociais, que foi marcado por intensa repressão da Polícia Militar estadual por conta dos protestos realizados pelas organizações contra o encontro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). "Levaram um batalhão de policiais para nos impedir de entrar na Praça da Liberdade. E qual é a justificativa? Nenhuma. Apenas reprimir o povo organizado", lamentou.
Para Rosiana Queiroz, da coordenação nacional do MNDH, o elemento central desta cultura de criminalização dos movimentos é o judiciário, que atende à elite do País e muitas vezes sequer conhece as normas e pactos nacionais e internacionais que dispõem sobre os diversos direitos humanos, sua integralidade e interdependência. "O Judiciário precisa ser preenchido pelo conteúdo dos direitos humanos. É este Poder que hoje criminaliza, a pedido do mercado e das forças conservadoras que estão no legislativo e no executivo", defendeu. Na opinião de Rosiana, não há projeto de desenvolvimento sem o respeito e a promoção dos direitos humanos e da democracia.
Qual desenvolvimento?
A colocação da coordenadora permeou a maioria dos debates sobre que desenvolvimento deve ser pretendido para o país. Sérgio Haddad defendeu na conferência de abertura do encontro do MNDH que o desenvolvimento não pode ser caracterizado somente pelo crescimento econômico. Ele lembrou que dados atestam que o Brasil foi o país que mais cresceu (100 vezes) no século XX, possui a 11a economia do planeta, mas, no entanto, mantém ainda o posto de uma das sociedades mais desiguais do globo. Ele criticou a situação atual do país, marcada pelo grande abismo entre os mais ricos e os mais pobres. "O modelo atual é baseado na centralidade do capital financeiro em detrimento dos direitos da população, o que tem trazido o agravamento dos conflitos e das condições sociais do povo".
Para Haddad, o motivo da manutenção desta situação é o fato do desenvolvimento ter sido pensado no Brasil sempre na ótica do crescimento econômico e nunca ter levado em consideração a plena realização dos direitos humanos da população. Um novo modelo de desenvolvimento, na sua opinião, deveria passar por superar o indicador do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e incorporar os aspectos da dignidade humana, do papel do local e da sustentabilidade social e ambiental. Tudo isso com ativa participação da sociedade e do Estado em detrimento da lógica neoliberal do mercado livre. "Os governos e poderes não podem ser omissos em mecanismos de regulação estratégica, pois se deixar na mão do mercado ele não vai resolver".
Na avaliação de Benedito Barbosa, da Central de Movimentos Populares (CMP), as opções tomadas pelo governo brasileiro vêm apontando na contramão das propostas de Sérgio Haddad. "Hoje há a prevalência de um modelo de Estado mínimo e de enxugamento do orçamento público através de mecanismos como o superávit primário, o que gera enorme exclusão no País". Este modelo, segundo Maria Júlia, do MNMMR, gera prejuízos sérios até mesmo do ponto de vista do crescimento econômico. Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas (Ipea), por exemplo, que estipulou como necessário para incluir 17 das 58 milhões de pessoas hoje na linha da pobreza no Brasil um crescimento contínuo de 4,5% durante 11 anos.
Pressão articuladaPara mudar este quadro, a primeira conclusão apontada nos debates é a necessidade de uma pressão maior em relação ao governo para que atenda as demandas da área de direitos humanos. "O governo Lula não priorizou a área de direitos humanos, teve alguns avanços, mas é preciso radicalizar muito mais. E só a mobilização popular é que vai mudar isso", defendeu Marcelo Nascimento, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Ele e outros integrantes de movimentos sociais presentes no debate ressaltaram a necessidade de união das diversas organizações e redes da sociedade civil que lutam por um projeto alternativo e democrático de desenvolvimento. "Os movimentos estão atuando de forma isolada. Temos que assumir a responsabilidade de atuar de forma unida e articulada respeitando a autonomia de cada organização", colocou João Luis Vieira, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Da Agência Carta Maior