A Bunge, uma das maiores negociantes de soja do mundo, assinou no dia 24 de abril o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, organizado pelo Instituto Ethos e a Organização Internacional do Trabalho. Com isso, ela se compromete a não mais comprar de fazendas que utilizam esse tipo de mão-de-obra. O mérito dessa iniciativa recai não só na empresa, mas principalmente, na sociedade civil, do Greenpeace ao Instituto Ethos, sem esquecer da mídia brasileira e internacional, que ficaram no encalço da gigante alimentícia até que ela resolvesse firmar esse compromisso público.
Um ajudinha de fora também contribuiu para que o Grupo Maggi, da família do governador do Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi, assinasse o pacto no final do ano passado. Comprometeram-se a cortar fornecedores que estejam na “lista suja” (o cadastro do governo federal que mostra as fazendas flagradas com escravos). A pressão de organizações européias, como a Misereor, em instituições financeiras mundiais acelerou a guinada a esse comportamento responsável.
Para limar o trabalho escravo (problema ambiental é uma história mais longa…) do “ABC” da soja faltam agora outras duas gigantes multinacionais se mexerem: a Cargill e a Archer Daniels Midland.
A ADM comprava de fazendas que estão na “lista suja” do trabalho escravo, como a Vale do Rio Verde, Vó Gercy, Barão e Santa Maria da Amazônia – todas no Mato Grosso. Ela informou à imprensa, por meio de nota, que possui um Código de Conduta e Ética nos Negócios que “prestigia os parceiros de negócios que tratam seus funcionários com dignidade e respeito e repudia fornecedores que reconhecidamente empregam práticas trabalhistas abusivas ou que, de qualquer outra forma, estejam em desacordo com a legislação local”.
Bonito. Mas isso, sem a possibilidade de fiscalização independente, é letra morta.
Já a Cargill (que tinha entre os fornecedores, a Vó Gercy e a Vale do Rio Verde), quando questionada por uma repórter da Agência Brasil, disse que já usava a “lista suja” na formalização de contratos. Afirmou que estava esperando a Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal assinar o Pacto para que isso fosse feito em conjunto. A Abiove veio a aderir no dia 26 de abril, mas a empresa não. Na verdade, a Cargill, que tem conhecimento desse problema em sua cadeia de fornecedores desde o início de 2005, esquivou-se do assunto. Uma entidade de classe, por melhor que sejam suas intenções, não tem consumidores, ou seja, não responde ao mercado da mesma forma que uma empresa. Não é a Abiove e sim a Cargill que vende soja para o Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Espanha…
É necessário que essas empresas assinem o Pacto Nacional, juntando-se a outras dezenas de signatários, como o Pão de Açúcar, Ipiranga e Coteminas, que não temem serem monitorados. Pois não se é socialmente responsável dando aulas de informática para a “comunidade” enquanto se financia a exploração de trabalhadores, mesmo que indiretamente.
A Cargill está no cotidiano de milhões de brasileiros que refogam arroz, fritam bifes, temperam saladas, fazem bolos, através de óleos como o Liza e o Mazola. Assinar o Pacto seria apenas uma pequena concessão que a empresa faria aos seus consumidores. Se isso ocorre no centro do mundo, porque não na periferia?
Pois é bem provável que esses milhões de brasileiros teriam uma indigestão se soubessem sob que condições foi produzida parte da soja que consomem.