Comissão cria grupo para monitorar atendimento a vítimas de massacre

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados decidiu criar grupo formado por membros do Legislativo, Executivo e Judiciário para avaliar as condições das vítimas que sobreviveram ao massacre de Eldorado dos Carajás
Maurício Hashizume
 20/05/2006

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara dos Deputados aprovou requerimento para a formação de um grupo formado por membros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para avaliar as condições das vítimas que sobreviveram ao massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, que completou dez anos. No dia 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores rurais sem terra foram brutalmente assassinados e mais de 60 pessoas foram feridas.

O novo grupo será composto por parlamentares da própria CDH, representantes do Ministério da Justiça (MJ), do Ministério Público Federal, da Promotoria de Justiça do Pará, da Comissão Especial de Combate à Violência no Campo (que deve ser formalizada dentro de alguns dias por decreto assinado pelo presidente da República) e também das vítimas do trágico episódio. A decisão de constituição da comitiva foi tomada na esteira de audiência pública sobre o tema realizada nesta quarta-feira (17).

Uma das primeiras providências do grupo será uma reunião com ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro no qual repousam recursos relativos aos únicos dois condenados pelo massacre – o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, condenados respectivamente a 228 anos e 154 anos de prisão, que esperam o julgamento do recurso em liberdade. “Quem está preso, na verdade, é quem morreu, quem está na cadeira de rodas ou quem está com uma bala alojada no corpo. Ocupar é crime, massacrar não é. Se fosse, haveria punição”, desabafou João Luís Vieira de Sousa, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Procurador de Justiça do Estado do Pará que acompanhou o caso desde a primeira hora, Marco Aurélio Lima do Nascimento externou críticas à “eternização dos recursos” em várias instâncias. “Justiça tardia não é Justiça”, disse aos deputados presentes. Ele pediu mudanças na legislação para que seja vetado direito de cumprimento da pena em liberdade enquanto todos os recursos não forem julgados para condenações como a do caso de Eldorado dos Carajás, por crimes hediondos.

Também está nos planos da comitiva um encontro com membros do governo do Pará, para conferir de perto o quadro-geral dos pedidos de indenizações e o atendimento médico que vem sendo disponibilizado aos trabalhadores que sofrem até hoje os horrores da violência praticada por agentes públicos. “O massacre não acabou. Continua até hoje para as vítimas”, testemunhou, durante a audiência na Câmara Federal, Antônio Alves Oliveira, representante dos mutilados. De acordo com ele, o
tratamento médico às vitimas prometido pelo estado do Pará continua precário e os pedidos de indenização têm sido negligenciados por meio de recursos judiciais. A demora, inclusive, fez com que ele próprio aceitasse um acordo para que o governo estadual pagasse apenas R$ 65 mil do total de R$ 333 mil que ele pleiteara inicialmente, em 1998, mas ainda não viu a cor do dinheiro. “Desse jeito, nós é que vamos ter que pagar”, adicionou o representante dos mutilados.

Nascimento, por seu turno, ressaltou ainda que, desde o início, houve muita dificuldade com esse tipo de questão por causa da falta de registros civis de muitos trabalhadores e fez uma revelação surpreendente: “Um deles até hoje não foi identificado”. Cerca de 20 vítimas recebem pensão de um salário mínimo do governo do Pará e a maioria continua aguardando o pagamento das indenizações.

Presente na audiência, o deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA) defendeu o governo estadual e afirmou que as indenizações estão sendo acordadas no âmbito da Justiça, com anuência do advogado das vítimas. Além disso, ele afirmou também que, segundo relatórios oficiais, o atendimento médico tem sido garantido de forma adequada. Se ele estiver certo, o grupo recém-formado terá pouco trabalho, mas caso a situação real seja mais próxima do relato das vítimas, o governo do Pará precisará dar as devidas explicações públicas para as autoridades.

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