Comissão de DH quer regulamentar atividade dos provedores

Lacuna na legislação brasileira dificulta investigação de crimes freqüentes na Internet, como pedofilia, racismo e intolerância religiosa. O Orkut, site campeão de denúncias, se recusa a cumprir determinações judiciais
Fernanda Sucupira
 08/05/2006

Desde março deste ano, a ONG SaferNet no Brasil recebeu 18 mil denúncias de crimes e violações de direitos humanos na internet. Delas, 11 mil tratam de pornografia infantil e pedofilia, os crimes mais freqüentes registrados na rede mundial de computadores no país. Além disso, há diversos casos de racismo, neo-nazismo, intolerância religiosa, homofobia e apologia e incitação a crimes contra a vida, como a tortura. A investigação e a responsabilização dos autores dessas práticas, principalmente por parte da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF), dependem da colaboração dos servidores de acesso e de conteúdo, que nem sempre estão dispostos a colaborar.

O que permite esse tipo de comportamento das empresas de internet é a ausência de qualquer tipo de regulamentação dos provedores na legislação brasileira. Para preencher essa lacuna e facilitar a apuração de tais crimes, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados vai criar um grupo de trabalho para reunir as proposições existentes e elaborar um substitutivo. São mais de vinte projetos de lei sobre esse assunto parados no Congresso, alguns deles tramitando desde 1995, quando teve início a internet no Brasil. A proposta foi apresentada pelo presidente da comissão, o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), durante audiência pública na Câmara, na semana passada. O grupo deverá contar com parlamentares da CDHM, representantes do MPF e de entidades da sociedade civil.

“É preciso avaliar os projetos de lei em tramitação, muitos são relevantes e complementares entre si, identificar as principais lacunas e pontos positivos e encaminhar em caráter de urgência até a primeira quinzena de junho, por ser ano eleitoral, se não vai ficar só para o ano que vem. Esperamos que o GT seja constituído o mais rápido possível”, afirma o presidente da SaferNet no Brasil, o advogado Thiago Tavares, também professor de direito de informática na Universidade Católica da Bahia.

O Brasil está em quarto lugar no ranking mundial de páginas virtuais de pornografia infantil e pedofilia, atrás apenas de EUA, Rússia e Coréia, nessa ordem. No país, a grande maioria das cenas de sexo explícito com crianças são veiculadas no Orkut, site de relacionamentos do provedor Google. Para Tavares, essa posição vergonhosa do país se deve a dois motivos principais: a crença no anonimato das ações realizadas na internet e a certeza da impunidade em relação a esses crimes, que são cometidos abertamente.

No entanto, a idéia de que não é possível descobrir a identidade do usuário não é uma verdade absoluta. Todo computador que se conecta à rede recebe um número identificador, chamado de IP (Internet Protocol), uma espécie de impressão digital da máquina. Como os provedores registram o acesso a cada página virtual por meio desse número, é possível localizar os computadores utilizados para praticar tais crimes. O problema é que apenas os provedores têm acesso a essas informações e, como não existe nenhuma norma jurídica que determine as responsabilidades e obrigações dessas empresas, elas acabam atuando de acordo com seus próprios critérios.

O Orkut, por exemplo, muitas vezes se recusa a fornecer as informações solicitadas pela Justiça brasileira ou qualquer outra determinação judicial, alegando que o serviço é prestado nos EUA, onde fica a sede da empresa e, portanto, os tramites legais devem ocorrer nesse país. E é justamente esse site o campeão das denúncias. Das 18 mil recebidas desde março pela SaferNet, aproximadamente 15 mil são referentes ao Orkut, das quais cerca de 10 mil dizem respeito à pornografia infantil e pedofilia.

“Eles ignoram a legislação e as autoridades brasileiras. É um absurdo porque são crimes praticados por brasileiros, contra brasileiros, e tanto vítimas quanto autores residem no país. Além disso, o Google é uma pessoa jurídica registrada no Brasil, com atividades econômicas e comerciais aqui. Eles não podem simplesmente virar as costas para a sociedade brasileira e garantir o anonimato e a impunidade dos criminosos”, argumenta Tavares. Dos mais de 15 milhões de usuários do Orkut, cerca de 12 milhões são brasileiros, o que corresponde a quase metade dos 23 milhões de usuários de internet no país.

O MPF conseguiu recentemente uma decisão judicial que determinou a quebra de sigilo de dezenas de comunidades de pedófilos e racistas no Orkut, obrigando o Google a identificar esses criminosos para que eles pudessem ser responsabilizados e processados. O provedor, entretanto, não obedeceu à determinação. “Existe uma certa dificuldade e resistência do Google em cumprir as decisões da Justiça, por isso há uma queda de braço entre o provedor e o Ministério Público Federal”, explica o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo, Sérgio Suiama. Segundo ele, o argumento de que os dados estão hospedados nos EUA é falho porque outros provedores norte-americanos, como MSN e Yahoo, têm colaborado, respondendo às denúncias, preservando provas, retirando o material do ar e fornecendo informações para a Polícia Federal e o MPF.

Em novembro, o MPF de São Paulo assinou um termo de compromisso com os cinco maiores provedores de acesso brasileiros: UOL, AOL, Click21, Terra e IG. “Como a legislação é quase inexistente, tentamos chamar os provedores à responsabilidade social e jurídica, no sentido de desenvolver ações preventivas no combate a essas práticas e ações repressivas, porque é graças a eles que tais crimes são praticados”, completa Suiama.

Para denunciar crimes e violações de direitos humanos na internet, visite a página www.denunciar.org.br.

Fernanda Sucupira é membro da ONG Repórter Brasil.

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