Após a divulgação, em março deste ano, de um sistema de projeção sobre o ritmo de desmatamento da Amazônia no caso de manutenção dos atuais mecanismos de interferência e projetos de desenvolvimento na região – que poderão levar à perda de 40% da floresta nas próximas cinco décadas -, cientistas ligados ao Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) estão iniciando um processo de debate com setores do poder público, da iniciativa privada e das organizações ambientalistas e sociais para buscar soluções consensuadas que evitem a confirmação dos diagnósticos catastróficos.
O trabalho “Cenários para a Amazônia”, do Ipam, analisou os principais vetores de desmatamento num cenário de continuidade das políticas – ou da falta delas – para a Amazônia, contrapondo o quadro ao que poderia trazer uma melhor governança, maior presença do Estado e maior responsabilidade socioambiental dos empreendedores na região.
Nesse sentido, segundo o pesquisador do Instituto Daniel Nepstad, o campeão da promoção da degradação ambiental são as grandes rodovias que cortam a região, mais ainda os processos de pavimentação, já que valorizam as terras marginais e atraem empreendedores (legais e ilegais).
“As causas históricas e presentes do desmatamento na Amazônia são diversas e freqüentemente inter-relacionadas. Compreendem desde incentivos fiscais e políticas à colonização no passado, até o recente cenário macroeconômico da pecuária e o boom do agronegócio, notadamente a expansão das culturas de soja sobre áreas de pastagens. Investimentos em infra-estrutura, sobretudo a abertura de estradas e pavimentação, completam esse quadro, posto que promovem a viabilidade econômica da agricultura e da exploração madeireira na Amazônia central, com conseqüente valorização de suas terras”, afirma o estudo.
Ou seja, o fato de que “a Amazônia está entrando em uma era de rápidas mudanças, impulsionadas pela previsão de asfaltamento de rodovias que estimularão a expansão da fronteira agrícola e de exploração madeireira”, pode ter conseqüências graves se não houver um planejamento e não forem tomadas medidas que as previnam.
Os grandes projetos de infra-estrutura na Amazônia, principalmente as rodovias e as hidrelétricas, têm sido motivo de grandes polêmicas. Além dos impactos negativos sobre comunidades tradicionais (conflitos de terra, deslocamentos forçados, expulsões etc.), têm havido problemas crônicos com a legislação ambiental.
Recentemente, o Ibama listou uma série de irregularidades nas principais rodovias da região – como BR-158 (divisa de PA e MT), BR-163 (Santarém-Cuiabá), BR-174 (Manaus/AM- Pacaraima/ RR), BR-319 (Porto Velho/RO – Manaus/AM), entre outras – que levou a uma reação imediata por parte do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT). Segundo o órgão, as irregularidades, na maioria falta de licença e pavimentação sem autorização ambiental, estão em processo de regularização, mas não há período previsto para os acertos.
O estudo do Ipam, baseado em informações de vários órgãos do governo, apresenta uma tabela pela qual mais de 15 rodovias federais e estaduais na Amazônia devem ser pavimentadas parcial ou completamente nos próximos seis anos, o que pode, segundo Nepstad, levar a um boom de desmatamento.
“Dentro do cenário de ‘o mesmo de sempre’ (continuidade das atuais políticas de desenvolvimento), é esperado que mais de 2/3 da cobertura vegetal de quinze principais eco-regiões amazônicas, de um total de trinta e duas, sejam eliminados, liberando aproximadamente 32 Pg (109 toneladas) de carbono para a atmosfera; o equivalente a mais de quatro anos das atuais emissões por todo o planeta. Grande extinção de espécies, muitas ainda não conhecidas, pode ocorrer na Amazônia oriental, onde as taxas de desmatamento são vertiginosas. A título de ilustração, 22% de um total de 164 mamíferos analisados perderiam mais do que 40% de seu hábitat dentro da bacia”, escreveu o cientista.
Intervenção
Existem dois fatores principais, segundo os cientistas, que podem reduzir os riscos e minimizar os problemas da Amazônia: aumentar o grau de governança (presença do Estado) e valorizar economicamente a floresta em pé.
Nesse sentido, o grupo liderado por Nepstad tem buscado suscitar um debate tripartite entre poder público, iniciativa privada e organizações sociais, a exemplo do seminário “Em debate o futuro da Amazônia” realizado nos últimos dias 10 e 11 em Brasília.
Sobre a primeira frente, os cientista avaliam que, se o governo garantisse o cumprimento da legislação vigente e se fizesse concretamente presente, já haveria um grande avanço. Mas seria importante também aprofundar a participação social e a transparência nos processos de elaboração e execução dos projetos.
Para Nepstad, processos como os debates com a população sobre a BR-163, onde aconteceram uma série de consultas públicas e o governo tomou várias medidas para mitigar o efeito predatório dos grileiros e agropecuaristas que foram para a região com o anúncio do asfaltamento da estrada, seria um exemplo de prática que deve ser multiplicada.
Em relação à segunda frente, a valorização da floresta, o pesquisador propõe o desenvolvimento de economias florestais “calcadas em uma sólida base macroeconômica, que sejam competitivas em face dos usos atuais em áreas convertidas, como a criação de gado e a plantação de grãos. Adiciona-se a essa estratégia a certificação ambiental para produtos de agricultores e fazendeiros que preservam a floresta em suas propriedades. Parte dos recursos necessários a esse esforço de conservação poderia vir na forma de créditos trocados por emissões de carbono evitadas, dentro de uma convenção do clima modificada, como discutido em recentes negociações. Além disso, vislumbram-se investimentos em cadeias de biotecnologia que explorem as enormes possibilidades do celeiro de biodiversidade amazônico. Enfim, essas medidas não somente trarão o bem-estar para toda a sociedade amazônica, mas também a garantia de conservação desse primordial patrimônio natural da humanidade”, afirma em seu estudo.