Polícia tenta incriminar 18 lideranças do MST no Pará

Inquérito pede prisão preventiva de lideranças por protesto em Eldorado dos Carajás. Defesa diz que os indiciados não participaram do ato, que incendiou parte da sede da propriedade, e vêem objetivos políticos na criminalização
por Verena Glass
 05/05/2006

Em um processo bastante similar ao impetrado contra dirigentes do MST após o ato na empresa Aracruz, no Rio Grande do Sul, no início de março, um inquérito policial coordenado pela Divisão de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) pediu na última quarta-feira (3) a prisão preventiva de 18 lideranças do MST do Pará, entre eles um dos coordenadores nacionais do movimento, Charles Trocate. Os dirigentes são acusados de formação de quadrilha, roubo, cárcere privado e incêndio criminoso, atos supostamente cometidos durante uma ação das 700 famílias acampadas há dois anos na fazenda Peruano, em Eldorado dos Carajás.

O pedido de prisão preventiva acabou recusado ainda na quinta-feira (4) pelo juiz de Curionópolis, sob alegação de que não havia sido comprovada a culpabilidade dos acusados. O delegado André Albuquerque teria afirmado, porém, que o inquérito já foi refeito e deve ser apresentado para nova apreciação da Justiça na próxima semana.

A ação na fazenda Peruano, que ocorreu no dia 27 de março, destruiu um laboratório de inseminação artificial e incendiou uma parte da sede da fazenda, área pertencente à família Mutran que está sob litígio em função de suspeitas de apropriação indevida de terras públicas estaduais e federais.

Segundo Trocate, o ataque à sede da Peruano aconteceu como reação ao despejo de 400 famílias da fazenda Rio Vermelho em Xinguara, sul do Pará, na madrugada do mesmo dia 27. De acordo com o dirigente do MST, o movimento foi pego de surpresa com o descumprimento de um acordo firmado entre a Vara Agrária, a Ouvidoria Agrária, o Ministério Público, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura, a Comissão Pastoral da Terra e o MST, pelo qual qualquer ação de reintegração de posse seria comunicada previamente aos acampados para negociação da retirada e destinação das famílias.

"O descumprimento do acordo no despejo da Rio Vermelho aconteceu, segundo nos informaram, por ordem direta do governador Simão Jatene, que teria se encontrado pouco antes como secretário de Justiça, Manoel Santino, e o fazendeiro Roque Quagliatto [dono da fazenda]. Segundo o juiz Sergio Luiz Lima da Costa, ele mesmo tentou argumentar que havia um acordo, mas foi ordem explícita do governador de que deveria ser descumprido. Isso levou à reação na Peruano", afirma Trocate.

Defesa
Para os advogados de defesa do MST, José Batista e Jorge Ribeiro, porém, a acusação apenas das lideranças em uma ação coletiva impede a comprovação da culpa individual dos acusados.

"Nós temos total segurança de que os acusados não estavam no local da ação e não participaram dela. O indiciamento [dos dirigentes] é uma tentativa de criminalizar estas pessoas", afirma Batista.

Segundo ele, as acusações também são de difícil comprovação. "Para condenar alguém por roubo, é preciso que o objeto roubado seja encontrado em posse do acusado. Isso é uma prova concreta. Sobre o incêndio, que realmente ocorreu, a polícia precisa individualizar os culpados. Sobre a acusação de cárcere privado, o que houve foi a expulsão de alguns funcionários do local. E por fim, a organização de trabalhadores na luta por direitos há tempos não é considerada pela Justiça formação de quadrilha, mesmo que se insista, nos julgamentos de primeira instância, em recorrer a esta acusação".

De acordo com Ribeiro, a polícia teria se baseado em material didático do MST para incriminar os dirigentes do movimento. "Pegaram cartilhas de formação, que versam sobre temas como as brigadas de ação, a tomada de decisão etc, para construir provas subjetivas que sustentassem a tese da culpa dos dirigentes. Com base nisso fazem conjecturas".

Por outro lado, acredita o advogado, existe nesta tentativa de incriminar as lideranças do MST um fator político forte. "Estamos em ano de eleição, e os grandes fazendeiros são também os detentores de muito poder econômico e político. Tem grande poder de negociação com o Executivo. A pressão, então, é para que se prendam as cabeças dos movimentos para desmobilizá-los", acredita.

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